Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Janeiro de radicalismos

O ano que está começando não foi tão aguardado como 2012 (quando chegaria o “final dos tempos”) ou 2014 (realização da Copa do Mundo no Brasil e eleições presidenciais). Entretanto, em raras oportunidades tivemos um mês de janeiro tão movimentado quanto o atual. Vivemos um tempo de radicalismos ideológicos. Como exemplo de extremismo islâmico oficial e extraoficial, podemos citar o atentado contra a redação do jornal francês Charlie Hebdo, o fuzilamento do traficante brasileiro Marco Archer pelo governo indonésio e o massacre produzido pelo Boko Haram na Nigéria, totalizando mais de cento e cinquenta mortes. Porém, as repercussões desses acontecimentos demonstraram algumas incongruências de nossa sociedade.

Evidentemente, o ataque realizado contra o semanário francês deve ser condenado; nenhuma forma de violência deve ser admirada. Contudo, os grandes veículos de comunicação despolitizaram e descontextualizaram o ocorrido, dando a entender que se tratou de simples antagonismos entre religiões, escamoteando o fato de as charges do Charlie Hebdo estarem inseridas no contexto de perseguição às minorias árabes que vem ocorrendo no continente europeu. Por outro lado, as atrocidades cometidas na Nigéria, como qualquer outro acontecimento no esquecido continente negro, tiveram pouco destaque nos noticiários.

Já a execução de Marco Archer foi tacitamente apoiada pelos setores conservadores e, não obstante, trouxe à tona o polêmico debate sobre a adoção da pena de morte no Brasil. Configurou-se assim um excelente ensejo para alguns indivíduos demonstrarem suas equivocadas ideias de combate a criminalidade. Em entrevista à Radio Jovem Pan, a apresentadora do SBT Rachel Sheherazade declarou que se o traficante morto pelo Estado indonésio fosse preso no Brasil “seria acolhido pela condescendência do nosso Código Penal. Mas deu azar de ser flagrado num país sério, onde a Justiça dá o exemplo: “Aqui se faz, aqui se paga”. No programa Fala que eu te escuto, da Rede Record, cristãos enfurecidos pleiteavam pela adoção da pena de morte no Brasil. Parece que o mandamento “Não matarás” anda sendo esquecido por alguns religiosos. Ora, para acabar com a violência que assola nosso país devemos focar as causas do problema, não suas consequências. Como diria o dito popular, “é melhor prevenir do que remediar”. Enquanto o vergonhoso abismo social entre ricos e pobres vigorar em nosso país, haverá altos índices de criminalidade.

Neste mês, a clássica luta de classes também esteve em evidência com as greves realizadas por operários de importantes empresas do ramo automobilístico, com os protestos do Movimento Passe Livre contra o aumento das passagens na cidade de São Paulo e em dois artigos de colunistas do jornal O Globo que hostilizavam os seguimentos economicamente inferiores da pirâmide social. No texto intitulado “O plano cobre”, Silvia Pilz ridicularizou o modo de falar das pessoas mais simples (o famoso “preconceito linguístico”) e asseverou que pobre tem mania de doença (porque é chique) e “adora procriar”. Por sua vez, Hildegard Angel apresentou a grande “solução” para acabar com os arrastões nas praias cariocas: diminuir as linhas de transporte coletivo que circulam da zona norte para a zona sul e cobrar pela entrada nas principais praias da cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, mercantilizar o direito ao banho de mar. Mais de um século após a abolição da escravidão, nossa elite continua mesquinha e extremamente segregacionista.

Ironicamente, os estragos causados pelas chuvas de verão, habituais notícias de janeiro, não ocorreram. A “estação das chuvas” transformou-se na “estação da estiagem”. Tivemos um mês extremamente seco. Parece que até o tempo aderiu a atual onda de radicalismos. Como diria a minha avó, “se pelo andar da carruagem se vê logo quem vem dentro”, 2015 tem tudo para ser um ano com muitas pautas para o jornalismo.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG