Notícia publicada pela revista Veja na sexta-feira (30/1) e reproduzida pela Folha de S.Paulo no domingo (1/2) informa que uma das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras consultou o jurista Ives Gandra Martins sobre a possibilidade de vir a ser acolhido um pedido de impeachment da presidente da República. O parecer do tributarista, evidentemente, é favorável a uma iniciativa desse tipo.
O assunto não prosperou no resto da mídia, mas plantou uma semente que começa a ser irrigada nas redes sociais por ativistas ligados a partidos da oposição. Nem a revista identifica a empresa que tomou a iniciativa, nem a Folha fez questão de esclarecer, mas especula-se que a manobra tem mais de um autor. Trata-se, claramente, de uma chantagem, estimulada pela manifestação da presidente Dilma Rousseff, que na semana anterior expressou preocupação com a possibilidade de o processo por corrupção vir a imobilizar as maiores empreiteiras do país.
O caso é que, paralelamente à declaração da chefe do Executivo, setores do governo vêm estudando a criação de uma rede alternativa de prestadores de serviços para substituir as grandes corporações que tocam importantes obras de infraestrutura. Dirigentes dessas grandes empresas temem que o governo federal, a Petrobras e outros clientes essenciais consigam montar, nos próximos meses, um esquema que impeça a paralisação de projetos importantes, deixando-as ainda mais vulneráveis diante do processo que deriva da Operação Lava Jato.
Se as empreiteiras que dominam o cenário das grandes obras puderem ser substituídas por consórcios de empresas de porte médio ou pequeno com multinacionais, estará rompido um domínio de décadas no setor.
Convém lembrar que foram os governos do Partido dos Trabalhadores que, desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula da Silva, criaram o sistema que permitiu a algumas dessas empreiteiras se tornarem grandes competidoras no mercado global. Algumas delas chegaram a clientes antes inalcançáveis graças ao apoio oficial, não apenas no financiamento, mas principalmente na superação de obstáculos diplomáticos.
Ação “de fora”
Trata-se de uma manobra política movida por interesses estratégicos de negócios, que joga com a governabilidade do país e tem potencial para gerar uma crise ainda mais grave do que aquela que foi construída em 1963 para tornar possível o golpe de 1964. Mero acaso ou parte desse movimento, em artigo publicado domingo (1/2) no Estado de S.Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alinha o que considera a falência do sistema político vigente e defende sua derrubada por uma ação “de fora”.
O sociólogo observa que, “no passado, seriam golpes militares” a saída para fazer uma reforma política. No entanto, ele considera que “não é o caso, não é desejável nem se veem sinais”. A solução, portanto, na opinião do ex-presidente, seria apelar para o Judiciário.
Observe-se, de passagem, que o autor do artigo não condena liminarmente a opção de um golpe militar: apenas o considera “não desejável” e anota que “não se veem sinais” de mobilização nas casernas. Formalmente, FHC está se referindo a uma reforma do sistema partidário eleitoral. No entanto, todo o texto gira em torno de uma “crise que se avizinha”.
Não, não se espere que o ex-presidente tenha citado as denúncias de que ele mesmo teria se valido do sistema partidário degenerado para obter o direito à reeleição em 1998. Sua noção de honestidade intelectual não inclui a autocrítica. O texto cifrado remete indiretamente à curta reportagem publicada pela Folha no mesmo dia.
Como a imprensa brasileira funciona à base do consórcio, com associações cruzadas entre os grupos que editam o Estado de S.Paulo, a Folha, o Globo, as revistas Veja e Época, além da maior rede de televisão e de rádio, não é preciso muito raciocínio para entender como nascem as pautas sobre temas importantes da política e da economia.
O editor de um jornal não precisa receber uma cópia da pauta do suposto concorrente para dar seguimento a determinada tendência do noticiário: seja qual for o assunto, o viés define o que será publicado e com que destaque. Ninguém se surpreenda, portanto, daqui para a frente, se os executivos das empreiteiras que foram presos na Operação Lava Jato começarem a parecer um pouco menos suspeitos.