Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O preconceito contra mulher e o tiro no pé

O Campeonato Paulista está cada vez mais desinteressante. A diferença técnica entre os quatro grandes (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo) e os times do interior é tão grande que nem o mais fanático dos torcedores e os apreciadores do futebol aguentam o formato e os jogos da competição. Prova disso é a média de público nos estádios em 2014. O Corinthians teve a maior média: 22.643; seguido por São Paulo (14.558), Santos (11.041) e São Bernardo (10.008); o Palmeiras ficou em quinto lugar, com 7.932.

Se nos estádios as médias foram baixas, imaginem a audiência da TV. No ano passado, a Globo registrou média de 16 pontos no Ibope durante toda a competição (cada ponto equivale a 67 mil domicílios na Grande São Paulo). Sabendo disso, a emissora resolveu investir pesado na divulgação do campeonato este ano. Várias chamadas exaltam a competição, tentando transformá-la em algo extremamente competitivo e relevante. Uma delas, narrada por uma mulher, diz, em tom irônico, que “para a alegria de torcedores fanáticos e para quem entende de futebol, com nós, mulheres, em fevereiro começa o Campeonato Paulista”.

A Globo age de má-fé ao insinuar que mulheres não entendem de futebol e que, muitas vezes, só assistem às partidas por causa da beleza das pernas dos jogadores. O texto diz ainda: “Que jogada! Que técnica! E que pernas também, nossa…” Ao longo dos anos, a ideia de que mulher não entende de futebol se transformou. Mas esse preconceito se perpetua, embora números do Ibope digam o contrário. Segundo pesquisa divulgada em 2013, 33% das mulheres se dizem fã de futebol; ainda de acordo com o instituto, 72% elegem o futebol como primeira paixão.

A mulher ganhou seu espaço nas arquibancadas e na imprensa esportiva também, sem dúvida. Entretanto, o preconceito ainda existe em pleno século 21 e parece que, infelizmente, nunca terá fim. Quando não é o famoso “mulher não entende de futebol”, é o ridículo “futebol não é lugar para mulher”; em outras situações, quando o sexo feminino mostra que entende, sim, do assunto, é estereotipada de homossexual, como se a orientação sexual fosse um xingamento.

Preconceito “explícito”

Como dito na imprensa esportiva, as mulheres também têm ganhado seu espaço, embora sejam minoria. Essa divisão discrepante soa como “natural”. A mídia televisiva, muitas vezes – para não falar em 100% dos casos – usa a imagem feminina para “agradar” o público masculino. Engana-se quem pensa que é para atrair a audiência feminina nas mesas-redondas. Renata Fan (Jogo Aberto, Band), Michelle Giannella (Mesa Redonda, Gazeta) e Paloma Tocci (nos tempos de RedeTV!) são exemplos de mulheres que são criticadas pelas opiniões futebolísticas, mas elogiadas pela beleza.

Para a Globo, que segue essa linha com Glenda Kozlowski (Esporte Espetacular), Fernanda Gentil e Cris Dias (ambas já apresentaram o Globo Esporte SP) e Joana de Assis (Bem, amigos, do SporTV), a mulher pode gostar de futebol, mas ainda assim tem dificuldade em entender a regra. O final da peça publicitária diz “Ai, gente, essa regra [impedimento] é difícil de entender, hein?”

A ideia da emissora de fazer uma chamada para o público feminino é válida e, talvez, foi criada pensando nesse aumento do interesse das mulheres pelo esporte. Contudo, erra ao usar estereótipos arcaicos e não alcança o objetivo, pois a mensagem final soa como “até as mulheres, que mal conhecem futebol querem assistir, seja por qual motivo for”.

O preconceito velado em mesas-redondas da televisão aberta e fechada é “explícito” na chamada da Globo, que, tentando acertar, acabou dando mais um tiro no pé.

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Jaiane Valentim é jornalista