O texto intitulado “Os leitores não são idiotas“, de Carlos Castilho, publicado neste Observatório, causa-nos as paradoxais sensações de contemplação e desamparo. A primeira pela satisfação em podermos contar com jornalistas e críticos que nos alertam para as armadilhas do jornalismo (e quando criticamos um “sistema” ao qual “pertencemos” é porque o queremos melhor, e não necessariamente extingui-lo), e a segunda pelo fato de nos reconhecermos numa espécie de resignação denunciada pelo texto.
Explico.
No primeiro caso, o jornalismo que nos prepara armadilhas é aquele que se institucionaliza e se torna submisso aos interesses políticos e econômicos; que permite a substituição de seus agentes (repórteres) pelos agentes que prestam serviços aos gabinetes de chefes da administração pública (relações públicas e, muitas vezes, jornalistas) para que as notícias acerca das crises que possam vir a ser debate público sejam contornadas antes mesmo de se tornarem públicas (as notícias oficiais sobre a crise hídrica em São Paulo, por exemplo, parecem estar sendo tratadas desse modo, segundo texto de Luciano Martins Costa, nesse mesmo Observatório, intitulado “O apagão de São Paulo“).
Por outro lado, esse jornalismo institucionalizado e submisso ao poder público pode ser confrontado pelo jornalismo que resgata a essência da profissão, aquele que não esquece que a principal munição da profissão, aquela que amedronta qualquer tentativa de corrupção de um sistema, é a liberdade de pautar, discutir, denunciar e alterar a resignação da opinião pública.
Chegamos então à segunda sensação, a da resignação: o que esse sentimento mais incomoda em nós, aceitando o argumento do texto de Castilho, é o fato de esclarecer que, mediante a constatação de que estamos sendo manipulados e vendados pela imprensa que não enfrenta o poder do Estado, não seremos nós a reagir, mas sim aqueles a quem a mídia se habituou a chamar de vândalos.
Papéis em desuso
Porém, isso não significa que não restou nada à imprensa da “resistência”, ou melhor, à imprensa que ainda faz do jornalismo um ato de resistência. Significa apenas que o jornalista que se pretende atuante na transformação de uma sociedade terá de resgatar o ato mais básico de sua profissão: a pergunta.
Quando Castilho fala que a imprensa não tem assumido seu papel de explicar, de esclarecer, de jogar luz nos fatos, com o que fica difícil discordar, pergunto-me se não poderíamos voltar e recomeçar do começo para entendermos de novo coisas simples. Por exemplo: do que vive um jornalista? De que maneira ele persegue um fato, apura e pressiona uma fonte até que as informações escondidas de seu leitor apareçam? A resposta mais imediata pode ser: fazendo as perguntas. Se as perguntas forem bem feitas, se forem motivadas pelo interesse público e feitas com liberdade (principal arma do jornalista), as fontes corrompidas e viciadas vão se perder nas respostas. E como o leitor não é idiota, a explicação nem precisará ser mediada, no sentido de interpretada, pelo jornalista.
A informação, caso o jornalista se fie no princípio mais básico de seu ofício, pode ter um lado autoexplicativo. E o leitor-ouvinte, que já se percebeu enganado e distraído, poderá concluir tacitamente que a tolerância nem sempre nos conduz à resignação.
Claro, esse resgate não abrange todas as possibilidades de intervenção de um jornalista, que é também um formador de opinião, um contador de história, mas pelo menos reestabeleceria papéis simples em desuso que podem mostrar para a população que ela não é a principal culpada pelos fracassos da res publica.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social