Originalmente tríduo – espaço de três dias –, estendeu-se além da Quarta-Feira de Cinzas até o domingo seguinte. Agora, com o pretexto politicamente correto de resgatar o carnaval de rua e dar um refresco ao povo espoliado, o reino momesco inicia-se, no mínimo, com duas semanas de antecedência.
Inamovível, inabalável, inalterável, inapelável, irrecorrível, insubmergível: o carnaval é uma gloriosa ilha cercada de melancolia por todos os lados; somos absolutamente felizes e nunca percebemos. Entidade única, coração valente, o carnaval é a trincheira contra a degeneração gringa, capaz de resistir aos eventos extremos, pontos fora da curva, anticiclos, tsunamis econômicos, terremotos políticos, manchas solares, surtos autoritários, descalabros administrativos, corrupção pré-salina, delinquência de contraventores e guerrilha do narcotráfico.
Se, porventura, os quarenta dias e quarenta noites do dilúvio bíblico abarcassem o período da folia, nossas autoridades dariam um jeito de manter a bicharada na arca, mesmo correndo o risco de insurreição zoológica ou imediata reforma política. Não é preciso reinventar partido algum – são (ou estão) ótimos, respeitosamente carnavalescos.
Lição grega
A infalível Petrobras, apesar da situação pré-falimentar, decidiu manter o subsídio de 12 milhões de reais destinados às escolas de samba. O carnaval é um formidável negócio, fator de congraçamento mundial, estímulo à inovação e ao empreendedorismo. A Petrobras é a mãe da distribuição de renda.
A tal crise hídrica não pode impor-se à soberania popular. É um benefício social, inalienável, sem retrocesso. Independente dos respectivos volumes mortos, nossos reservatórios terão que manter-se quase vazios fingindo que estão quase cheios. O carnaval é imexível, inquestionável, inalterável. Sem carnaval e sem apoteoses como conseguiremos sobreviver, ó São Darcy Ribeiro?
A mídia está aí para mantê-lo assim, incólume, intocável, insubstituível, invulnerável. Se a imprensa vacilar no amor à folia, regulação nela. Ou uma rajada de AK-47 com balas de chiclete. Colapso hídrico é um insulto às nossas crenças religiosas, perversa desconstrução da nossa exuberância. Escassez é balela, puro derrotismo burguês, o camarada Stalin sabia lidar com essa conversa pra boi dormir (primo da vaca que tosse porque não toma Rum Creosotado).
Austeridade, contenção, racionamento? Nunca! É invenção da troika para impedir o samba no pé. Desmatamento na Amazônia não pode afetar a chuva nas nascentes que abastecessem a Cantareira. Pura artimanha neoliberal. Jogada da CIA. Chamem a Katia Abreu, interrompam sua lua de mel, ela entende de florestas.
Viva a Grécia que acabou com a tragédia grega e está feliz da vida.
Se na Bahia é permitido fazer xixi na rua, por que razão aqui, no Sudeste maravilha, não podemos ceder a incontinência urinária? Homens e mulheres, brasileiros e brasileiras, abaixo a intolerância, tudo pelo xixi livre e descriminalizado.
Libertas quae sera tamem é latim, mas está valendo.
Clima & tempo
Encerrado normalmente em 31 de dezembro, 2014 foi o mais quente desde 1850. Quatorze dos quinze anos mais acalorados da vida do planeta ocorreram desde 2000. Fonte: Organização Meteorológica Mundial da ONU (The Guardian, 2/2).