À primeira vista, os números divulgados há pouco pelo Centro de Protección y Fomento de los Derechos de Autor (Cempro) – entidade privada, de gestão coletiva, que protege os interesses de 70 editoras e 11 autores mexicanos – não são tão desestimulantes: no ano passado arrecadaram-se cerca de 50 mil dólares na cobrança de licenças para fotocopiar publicações protegidas pelo direito autoral. Essa cifra porém representa apenas 0,01% das perdas ocasionadas pela prática ilegal do copiado, que somam, anualmente, algo como 53 milhões de dólares. Mais: a cópia ilegal supera em 4,4% outra perniciosa iniciativa clandestina, a pirataria de livros. Para piorar a situação, os autores mexicanos são informados, mediante recente relatório do Centro Regional de Fomento del Libro para América Latina y Caribe (Cerlalc), que nos últimos sete anos fecharam no país cem livrarias.
De forma geral, o problema da fotocópia ilegal de livros no México em parte já estaria resolvido caso fosse reconhecida a existência de uma Lei Federal dos Direitos de Autor, com execução vigiada pelo Instituto Nacional do Direito de Autor. Assim, o dono de uma papelaria com esse tipo de serviço – copiar livros inteiros ou fragmentos da obra – deve adquirir uma licença cujo custo varia dependendo do número de máquinas fotocopiadoras e sua capacidade de reprodução, bem como da proximidade de uma escola secundária ou faculdade – 160 dólares por ano para uma papelaria com uma única máquina, 200 dólares anuais se estiver muito perto de uma escola. Os locais de maior capacidade de produção, as chamadas megacopiadoras, pagam até 2 mil dólares por ano.
‘Exploração anormal’
Como o Cempra é uma entidade sem fins lucrativos, o dinheiro arrecadado nas licenças é dividido entre editores e autores, mas todos sabem que esses recursos são ainda irrisórios, considerando a proliferação do copiado ilegal, que só exige uma máquina e o livro a ser reproduzido. Já a pirataria requer mais recursos.
A reprografia ilegal geralmente afeta mais o setor de livros didáticos, pois, dizem executivos do Cempra, os próprios professores recomendam ou vendem as cópias, prejudicando menos a área de livros de interesse geral ou os best-sellers. No fundo, como se lê pouco no México – dois livros por ano no máximo, per capita –, sobretudo os jovens limitam seu contato com a literatura por meio dos livros exigidos pela faculdade, e ponto.
Algumas das grandes faculdades da Cidade do México, como a UAM-Azcapotzalco e a Iberoamericana, e o Instituto Tecnológico de Monterrey, ao norte do país, com seus próprios ‘centros de copiado e impresión’, têm licença para operar no setor e pagam regularmente os direitos de reprodução, mas ainda assim é difícil controlar essa atividade de uma forma plena e eficaz. Muitos donos e empregados de papelarias ou portinhas de fotocopiado ignoram a existência da lei e, quando fiscalizados e cobrados, alegam também não ter a mais remota idéia da importância dos direitos autorais para os escritores, altamente prejudicados pelas fotocópias.
‘Muito mais que gerar dinheiro, o importante é gerar consciência da necessidade de reconhecer o esforço intelectual de quem criou o livro e de quem o publicou’, disse ao jornal Reforma María Fernanda Mendonza, gerente geral do Cempro. ‘Trata-se de uma exploração anormal de uma obra literária, técnica ou científica.’ Ela reconhece, porém, que desde 2001 o setor das fotocópias tem mostrado maior interesse em regularizar suas operações. Mas alguns donos de papelaria, conhecedores da tradicional corrupção mexicana, não escondem as dúvidas sobre se o dinheiro arrecadado chegará realmente às mãos de autores e editores.
Livrarias fechadas
Para angustiar ainda mais aqueles profissionais dedicados a escrever, publicar e vender livros, o fechamento das livrarias mexicanas é outro problema grave enfrentado pela indústria editorial do país. Segundo informações do Cerlalc, o panorama no continente até explicaria a situação mexicana: 60% da região nem mesmo conta com livrarias. No México, onde existem cerca de 450 livrarias (o ideal, segundo a Unesco, seriam 10 mil, para um país de 100 milhões de habitantes) e a produção anual de livros é de 10 mil novas obras (das 50 mil de todo o continente, 60 mil na Espanha), a tendência é o desaparecimento gradual desses estabelecimentos mais tradicionais.
O motivo dessa inquietante retração é de ordem comercial; no fundo, de logística de distribuição: as editoras preferem agora as grandes superfícies para vender – os chamados pontos alternativos de vendas, como supermercados e outros locais bem instalados. No caso específico do México, a centenária e magnífica rede de drugstores Sanborns – mistura de bar e restaurante, livraria, banca de jornais, confeitaria, loja de eletrodomésticos, perfumaria, discos, artesanato local, pratas e cristais, brinquedos, farmácia, jóias e acessórios de moda feminina e masculina, agora de propriedade do magnata Carlos Slim, que vem comprando polpudas fatias da telefonia brasileira.
A esses pontos alternativos de vendas as editoras concedem descontos absurdamente desproporcionais, entre 50% e 60%, o que permite vender o livro ao cliente até com 40% de desconto. Enquanto isso, as livrarias, que recebem o desconto de praxe (40%), ficam às moscas.
Outro problema sério é que, além dos dez mil novos livros saídos das editoras locais, o mercado se abarrota com novidades espanholas, num volume total de 40 mil obras, que dificilmente será escoado nas livrarias – as poucas e boas que subsistem engolfadas nessa guerra de descontos. O editor aumenta o preço dos livros e as vendas caem.
Antes, as livrarias do continente importavam – e ganhavam no processo – essa produção espanhola; agora, são os próprios espanhóis que publicam seus livros diretamente na região, reduzindo assim a margem de lucro local.
Belo e aviltado
Os livreiros da Cidade do México também se queixam dos efeitos nefastos da pirataria de livros, vendidos no Centro Histórico da capital, dias e às vezes horas depois de aparecidos nas livrarias (pode ser tanto um novo Paulo Coelho como outra obra de Gabriel García Márquez). Obviamente, a preços mais econômicos: um livro de 200 pesos (20 dólares) nas ruas sai, com uma boa pechinchada, até por 150 pesos (15 dólares), às vezes menos – depende do estoque e do horário, como nas feiras-livres.
Dessa forma, os eventuais leitores deixam de entrar – ou comprar – nas boas e grandes livrarias da cidade (com dois, três andares), sobretudo no lado sul, perto do campus central da Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM), no bairro colonial de Coyoacán, onde num só quarteirão da avenida Miguel Angel de Quevedo, ao longo de dois quilômetros, funcionam filiais das grandes e melhores do ramo: Gandhi (duas lojas), Fondo de Cultura Económica, El Sótano (duas lojas) e El Alma Zen, além de um par de sebos limpos, iluminados e bem sortidos. Nas calçadas do quarteirão, uma fileira de sebos de rua oferecem livros de todo tipo.
Sobre o tema, Porfirio Romo, dono de uma pequena livraria, diz aos jornalistas interessados no assunto: ‘Essa turma, os piratas do livro, funciona assim: não paga impostos nem obrigações trabalhistas, não aluga espaços internos, compra papel roubado e, ainda por cima, não paga direitos autorais e muito menos arrisca apresentar livros que não emplacam’.
De fato, vorazes e espertos, ficam de olho nas grandes novidades, as mais quentes, produzem o livro de forma artesanal – os mais bem equipados com seus próprios recursos de computação – e, depois, espalham os exemplares nas calçadas, em cima de lonas, toalhas de mesa ou bem expostos em banquinhas.
Os interessados chegam perto, dão uma folheada e a negociação começa devagar, exigindo tempo e paciência, em meio aos empurrões, correrias e gritos de centenas de outros ambulantes que defendem no braço seu território e o leitinho das crianças, por todos os lados do belo e aviltado centro histórico da cidade. E danem-se escritores, editores e livreiros. Que bebam menos leite!
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Jornalista e escritor brasileiro radicado no México