Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando o romance segue regras de mercado

É comum as mulheres reclamarem que são tratadas como objetos pelos homens e que não podem tomar a iniciativa na conquista amorosa, sob o risco de parecerem agressivas ou, pior, descartáveis. Mas isso está mudando. No Adote um Cara, uma rede social de origem francesa, os homens pagam para ser oferecidos como produtos e só as mulheres, que não gastam um tostão, podem dar início à abordagem. “O tom é de brincadeira”.

“As pessoas entram por curiosidade, mas acabam ficando”, diz Tassia Miller, executiva brasileira que mora em Paris, onde integra a equipe de marketing internacional da empresa. No site, há anúncios divertidos, como “liquidação de nerds” ou “novo catálogo de tatuados”. Ao fim da página, aparece a figura de um carrinho de supermercado, igual ao dos sites de comércio eletrônico, com um convite tentador: “Coloque quantos você quiser.”

O Adote um Cara é um bom exemplo de como a internet está ajudando a mudar as convenções no campo afetivo, ao mesmo tempo em que faz dessas alterações de comportamento o mote para negócios originais.

O grupo americano Match.com percebeu uma oportunidade dessas no Carnaval brasileiro: o desprendimento de foliões que se beijam durante os festejos, mesmo que mal se conheçam. A companhia, uma das maiores do mundo na área de relacionamentos online, lançou o Beija Eu, um aplicativo para smartphones que permite marcar encontros em bailes, blocos e trios elétricos. Alguns eventos já vêm listados no software. Desde o lançamento, há três semanas, já foram feitos 100 mil downloads. Agora, a companhia estuda o lançamento de aplicativos semelhantes para ocasiões como a festa de São João, em junho, e o menos conhecido Dia do Solteiro, em agosto.

Os aplicativos são um dos principais ingredientes do interesse crescente em torno dos encontros cibernéticos. O mais famoso deles é o Tinder. Ao simplificar a paquera virtual, esses programas contribuem para eliminar a resistência das pessoas em usar a web para encontrar um novo amor. Em vez de um recurso desesperado, como se achava tempos atrás, a internet passa a ser considerada mais um espaço para iniciar um relacionamento, tão válida como a academia, a praia ou a balada.

“Mudou totalmente a percepção de que [a internet] era coisa para gente encalhada”, diz o francês Gaël Deheneffe, presidente do Match.com para a América Latina. “Nos Estados Unidos, isso virou uma coisa comum. No Brasil, ainda não chegamos ao mesmo ponto, mas estamos a caminho.”

No Brasil, o Tinder é administrado pelo Match.com. Ambos os negócios são controlados pelo grupo americano de mídia IAC InterActiveCorp. Diariamente, o Tinder processa 1,2 bilhão de tentativas de contato entre seus usuários, cujo número não é revelado. O Brasil representa 10% da base mundial, só atrás dos EUA.

Códigos sociais

O Tinder não está sozinho. No exterior, outros aplicativos, como o Coffee Meets Bagel e o Hinge, começam a atrair atenção, tanto do público como dos investidores. A maior parte deles ainda não tem um modelo de negócio definido ou se tornou lucrativo.

A segmentação é outro indício de maturidade. Há sites de relacionamento para todos os gostos, principalmente nos EUA, onde o romance online movimentou US$ 2,2 bilhões em 2014, segundo a empresa de pesquisa IBISWorld. No cardápio estão serviços para divorciados (Divorce Dating), pessoas mais velhas (Dating for Seniors) e pais solteiros (Single with Kids). Alguns saíram do ar, como o We Waited, destinado a quem quer permanecer virgem até o casamento, e o Cupdtino, exclusivo para fãs da Apple. Outras opções bem específicas resistem, como o Alikewise, que seleciona pretendentes com base no gosto por livros, e o Veggie Date, só para veganos.

No Brasil, os serviços também são segmentados. O Divino Amor, destinado a evangélicos, dobrou o número de assinantes entre 2013 e o ano passado, diz Deheneffe, do Match.com, que controla o site. A empresa também oferece o G Encontros, para o público LGBT, além do site principal, o Par Perfeito, que é mais genérico e reúne 2 milhões de usuários ativos no país. Todos os meses, uma média de 450 mil usuários adere ao Par Perfeito, afirma o executivo. O cadastro é gratuito, mas os clientes pagam uma assinatura para ter acesso às funções completas.

Os brasileiros também já formam o terceiro maior grupo no Adote um Cara, que chegou ao país há um ano. São 200 mil usuários, atrás de França e Espanha. A rede social francesa tem 8 milhões de usuários no mundo e registrou um faturamento de € 22 milhões em 2013 (a receita do ano passado ainda não foi divulgada).

Seria de imaginar que o Adote um Cara é uma invenção feminina, mas o serviço foi criado por Manuel Conejo e Florent Steiner, cujas amigas reclamavam constantemente do tratamento recebido dos homens.

Na rede, elas podem ir à forra. E estão aproveitando. Por dia, 3,3 mil brasileiros são colocados no carrinho, diz Tassia. Eles podem reagir ou não ao avanço feminino, mas só depois de ser tirados da gôndola pelas mulheres. A faixa etária predominante vai de 18 a 35 anos para ambos os sexos.

O advogado Noel Biderman também criou sua empresa a partir de uma observação, embora muito mais polêmica. No início da década passada, quando pensou em abrir um site de relacionamento convencional no Canadá, Biderman ficou surpreso ao descobrir que um terço das pessoas cadastradas nesse tipo de serviço se dizia casada. A decisão foi criar um site específico para elas – o Ashley Madison – o primeiro serviço online de traição de que se tem notícia.

O nome feminino é comum em inglês, algo como Ana Maria em português, diz Eduardo Borges, que comanda as operações da Avid Life Media, a empresa que controla o Ashley Madison, no Brasil e em Portugal. A escolha do nome baseia­se em uma constatação compartilhada por outros serviços de relacionamento: a de que as mulheres são o alvo prioritário. Se elas vierem, os homens seguirão atrás.

No Brasil, onde passou a atuar em 2011, o Ashley Madison tem 2,9 milhões de pessoas cadastradas. O país só aparece atrás dos Estados Unidos, tanto em receita, como em número de usuários, de mais de 31 milhões espalhados em 42 países. O faturamento global foi de US$ 115 milhões em 2014.

Como qualquer mercado, esse também obedece à lei da oferta e da procura: acima de 50 anos, a relação é de 14 homens para uma mulher? dos 20 aos 40, é de um para um. Os homens compram créditos pré­pagos que não expiram. As mulheres não pagam e podem mandar mensagens a cobrar. Há uma idade crítica: para elas, o maior número de cadastros no Ashley Madison ocorre aos 29 anos? para eles, aos 39.

E por que as pessoas traem? Os homens, quase todos, por um motivo: a insatisfação com o sexo no casamento. As mulheres, por três razões principais – carência afetiva, sexo e vingança. Algumas desconfiam que estão sendo traídas e pagam na mesma moeda. Mas há outros motivos, como mostra o relato de uma mulher que dizia não ter gostado do presente recebido no Natal, conta Borges.

Um algoritmo impede que duas pessoas se cadastrem ou usem o serviço pelo mesmo computador. Recursos de geolocalização impedem que um usuário veja perfis de colegas de trabalho ou pessoas que moram no mesmo bairro.

A simples existência de um site de traição mostra a rapidez com que os códigos sociais estão se modificando, estimuladas em grande parte pela tecnologia. Algumas coisas, porém, parecem difíceis de mudar. No Ashley Madison, mulheres na faixa dos 20 anos costumam procurar homens de 40. Os homens, independentemente da idade, preferem as 20 a 30.

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João Luiz Rosa, do Valor Econômico