Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Brasil deve exercer controle sobre ação do Google no país’

Em meio ao confinamento na Embaixada do Equador em Londres, onde está asilado desde junho de 2012, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, de 43 anos, trava nova guerra, desta vez contra o Google. Em seu novo livro, “Quando o Google encontrou o WikiLeaks”, lançado agora no Brasil pela Boitempo, Assange afirma que a “potência hegemônica da internet” se transformou num “monstro”.

Para o australiano, que enfrenta duas batalhas legais, na Suécia (investigado por abuso sexual ocorrido em 2010, e que ele nega) e nos EUA (pelo vazamento de documentos oficiais secretos), a gigante da internet serve aos interesses do governo americano, a quem está ligada financeiramente. Sobre o isolamento na embaixada – onde buscou proteção para não ser extraditado para a Suécia –, Assange afirma ser o equivalente a viver “numa estação espacial”, sem luz nem espaço para fazer exercícios. Diz, porém, estar otimista, apostando na “percepção de que uma injustiça está sendo cometida”.

O livro alerta para a ameaça que o Google representa à privacidade. Como podemos nos proteger disso?

Julian Assange – O Google se transformou no maior instrumento de vigilância que a humanidade já viu, é a empresa que mais vigia as pessoas, porque está no seu celular, coleta os e-mails, os sites que você usa… E está conectada num nível alto ao Departamento de Estado americano. As pessoas conseguem se proteger disso? Não. Eu consigo me proteger disso, alguns poucos profissionais de segurança conseguem, mas a média das pessoas, não. Isso, no entanto, está começando a mudar um pouco. À medida que as pessoas se dão conta dessa vigilância em massa por parte do Google e da Agência Nacional de Segurança (NSA), está surgindo um mercado para as estratégias de contravigilância.

Por outro lado, recentemente o presidente dos EUA, Barack Obama, apoiou David Cameron, premiê do Reino Unido, na cruzada contra a criptografia. É possível proibir a população de usar esse método?

J.A. –Eu travei essa batalha nos anos 1990, a chamada crypto-war, quando o FBI e a NSA tentaram proibir a criptografia. E agora estão tentando de novo. Não é possível controlar o uso da criptografia pelo crime organizado, por hackers. Mas, por boa parte da população, sim.

Obama disse recentemente que pararia de monitorar países como a Alemanha, mas não incluiu o Brasil na lista. Como o governo brasileiro deveria reagir a isso?

J.A. –As agências de inteligência foram criadas para agir em segredo, à margem da lei. Elas sempre farão isso. O que Obama diz sobre monitoramento é irrelevante, a lei é irrelevante, eles a infringirão, sempre fizeram isso. A maneira correta de olhar para isso é entender quais recursos têm e do que são tecnicamente capazes. Eles sempre usarão toda a tecnologia disponível para espionar o máximo de pessoas que puderem. O Brasil deveria olhar a capacidade dos EUA e da Inglaterra de espionar o país como uma ameaça estratégica à sua independência, das empresas brasileiras e de sua população. Tem de responder a essa ameaça e proteger a sua população.

Mas empresas como o Google estão no Brasil também, inclusive fisicamente.

J.A. –Mas esse escritório pode ser espremido, regulado, o Google poderia ser expulso do Brasil. O Brasil poderia, por exemplo, impedir qualquer companhia brasileira de mandar dinheiro para o Google. O Brasil tem poder para exercer o controle sobre as multinacionais.

Como faz com que o WikiLeaks continue ativo enquanto está preso?

J.A. –É uma história inspiradora e interessante. Você tem uma pequena publicação contra o Pentágono, o FBI, a NSA, uma dúzia de agências envolvidas numa perseguição, e, apesar disso e de um bloqueio econômico internacional, o WikiLeaks continua. É uma batalha muito difícil, e parte dela é eu estar aqui na embaixada há mais de dois anos, o que é difícil, e sem poder deixar o Reino Unido há quatro anos e meio. Mas eles não foram bem-sucedidos na ambição de nos destruir.

Vê saída para a sua situação? Em agosto, você anunciou que deixaria a embaixada, e isso não aconteceu. Recentemente, o Equador pediu à Suécia para avançar na questão dos direitos humanos. Parece que o caso não evoluiu.

J.A. –Vejo uma saída quando o Reino Unido começar a cumprir a lei. O fim pode levar muito tempo. Envolve as reputações dos EUA, do Reino Unido, da Suécia e do Equador. Os quatro precisam ser satisfeitos de alguma maneira. A realidade é que, quando uma situação legal é extremamente high profile e envolve organizações de poder considerável, isso domina a guerra. Esse é o problema nessa situação. É por isso que estou detido há mais de quatro anos sem nunca ter sido levado a julgamento por nenhum país. Os custos para a reputação dos que se opõem a mim estão subindo, e a crescente intervenção das Nações Unidas é um exemplo disso.

O que pode contar sobre o local onde está? E como está sua saúde?

J.A. –É um ambiente difícil. É como estar numa estação espacial. Não há luz, não há área para fazer exercícios. É preciso ser muito cuidadoso para se manter saudável. Mas outras pessoas estão em situações difíceis e conseguem sobreviver, então também sobreviverei.

Você está otimista quanto ao futuro?

J.A. –Conforme o tempo passa, há uma crescente percepção da injustiça que está sendo cometida, mesmo no Reino Unido. A lei aqui foi mudada em 2014 para banir extradições sem julgamento, porque as pessoas viram o quão injusta era a situação. Então estou otimista, sim.

Valeu a pena tanto sacrifício pelos vazamentos?

J.A. –Se fizer algo importante, deve esperar pagar um preço. O preço valeu a pena? Para mim, acho que sim. O que venho fazendo é profundamente satisfatório. Não tenho a intenção de me tornar um mártir, não acho que serei um, mas estou disposto a correr o risco.

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Cristina Fibe, do Globo