Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Programas policiais irrisíveis

Abordar o crime nos meios de comunicação, seja o meio qual for, sempre foi um negócio rentável, lucrativo, sobretudo na TV. Assistir a corpos humanos jogados ao chão, poças de sangue ao lado de um defunto sempre rendeu audiência. Porque está se falando da morte, algo da condição humana. Quem não para para ver um cadáver estirado ao chão? Em volta do(a) morto(a), além dos “repórteres abutres”, há também uma multidão de pessoas que está ali pelo espanto, se perguntando “quem é?”, “quem foi”, “ai, meu Deus”. Há o espanto, mas há um “quê” de morbidez por parte do público dos “curiosos”.

O que quero questionar aqui é a “espetacularização” da criminalidade por parte dos programas policiais espalhados pelo país. Um dos programas de grande audiência na TV foi o Aqui Agora (1991), apresentado pelo inconfundível Gil Gomes (“graças a seus estilos personalíssimos de voz, de gestos e de se vestir”, escreve a Wikipédia, o jornalista ganhou uma página na biblioteca coletiva online). Hoje os programas policiais povoam a TV aberta. Os mais vistos (e concorrentes) são o de Marcelo Rezende (Record) e de José Luiz Datena (Band).

O problema que se levanta é se no caso de um jornalismo policial que mistura a comicidade, o riso (que de risível não tem nada), o eufemismo na linguagem, que explora as caricaturas, os bordões, em que os apresentadores são verdadeiros showmen, o tiro não estaria saindo pela culatra? Ou seja, defendemos que a publicização dos crimes, sobretudo na TV, de forma cômica, seria um elemento midiático que está agindo, não como um atenuante da criminalidade, mas para torná-la banal, a pontoa de psicologicamente, e em alguma medida, incentivá-la. O criminoso rouba e agora tem “um canal para se ver” e para rir do delito que cometeu. O criminoso não comete crime porque ele vai se ver na TV. Ele o comete, entre outras coisas, porque necessita de algo, de dinheiro, de uma roupa, de um bem. Ou porque a forma mais viável – rápida – de conseguir um bem é cometendo um crime – nos referimos apenas ao roubo; e porque o crime – infelizmente – já se tornou algo “natural”, “aceitável”, por este(a) criminoso(a). Além da certeza da impunidade.

Não há nada de cômico ou risível nesses programas policiais que deveríamos chamá-los de “outras coisas” porque já deixaram de ser programas policiais, uma vez que misturaram a epopeia, o show, enredos cinematográficos, o ridículo, o sensacional, o grotesco, o perfunctório etc. Vê-los faz mal para quem os assistem, porque deixa a sociedade ainda mais caótica – e isso é reverberado na prática também em atos concretos. Não é ocultando as mazelas da sociedade – a criminalidade, por exemplo – que se constrói uma sociedade mais sadia, mas, do ponto de vista midiático, é as publicizando/veiculando numa nova linguagem – não a do terror, do sensacional e a da banalização – pautada na ética e no respeito à condição humana.

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Thiago Zanetti é jornalista