‘Sempre que há um grande tema de interesse do Ceará, aflora a origem doutrinária que animou a fundação do O Povo. Assim foi na disputa com Pernambuco pela refinaria de petróleo; assim está sendo na demanda pela usina em construção no Pecém, que está correndo o risco de ser suspensa, pelo fato de a Petrobras refugar a entrega do gás a preço anteriormente negociado com investidores da Siderúrgica Ceara Steel e o Governo do Estado. Em comentários internos tenho anotado que a legítima opinião do jornal, manifestada em editorial, passou a contaminar as matérias, cuja maior expressão foram as manchetes de capa Todos contra a Petrobras (23/11) e Hoje é dia de pressão (28/11), como se o jornal estivesse a serviço de uma das partes em disputa.
Se O Povo nasceu e se fortaleceu como um jornal doutrinário, como era comum nos impressos do início do século passado, evoluiu para um jornal de notícias, e consolidou-se separando estas da opinião. Misturar as duas coisas, ainda que a causa pareça ‘nobre’, é ultrapassar uma linha que pode agradar a muitos em determinada conjuntura, mas afetar-lhe a credibilidade. Obviamente, O Povo, como um jornal regional, tem de dar destaque às questões que interessam ao Ceará, mas pode fazê-lo sem confundir as coisas.
O jornalismo interpretativo tem mais força que o opinativo. Este tenta dar uma receita pronta e pede a adesão do leitor; aquele desvenda as informações, contextualiza o assunto, fornece dados, ouve os diversos lados envolvidos, consulta especialistas, coteja declarações e documentos, ilumina pontos obscuros – e deixa que cada um julgue de acordo com o seu entendimento. Independentemente do mérito – os políticos cearenses e o Governo do Estado estão no seu legítimo direito quando, respeitando os parâmetros democráticos, pressionam a Petrobras e o Governo federal –, se o tema é tratado pelo O Povo de modo emocional, corre-se o risco de gerar muita energia e pouca luz.
Por exemplo, tendo os documentos assinados entre os investidores, o Governo do Estado e a Petrobras, até hoje o jornal não publicou análise completa de suas cláusulas, deixando de esclarecer suficientemente as condições do acordo. Um único contraponto apresentando, como observou um leitor, foi o artigo do professor Antonio Eurico Belo Torres, pesquisador do Programa de Formação de Recursos Humanos em Ciências e Engenharia de Petróleo e Gás da Universidade Federal do Ceará (UFC), publicado na edição de terça-feira (pág. 20), expondo as condições em que o gás seria vendido à siderúrgica.
Como o tema é técnico, peço um pouco de paciência aos leitores. O acerto prevê a entrega de 1.800.000 m3 por dia de gás natural pela Petrobras. À empresa siderúrgica caberia arcar com o preço de US$ 1,25 por milhão de BTUs (medida do calor liberado pelo gás quando entra em combustão) e ao Governo do Estado pagar o restante de US$ 1,19 por milhão de BTUs. Portanto, pela entrega do gás, a Petrobras receberia US$ 2,44 por milhão de BTUs. O professor fez as contas para verificar o preço do metro cúbico: como o poder calorífico do gás natural utilizado no Ceará é de 37.440 BTUs/m3, o preço por metro cúbico calcula-se da seguinte maneira: (2,44 x 37.440 / 1.000.000), resultando o valor de US$ 0,0913/m3. A Petrobras tem de entregar 1.800.000 m3 de gás por dia, tendo de receber, portanto, o valor de US$ 60.049.800,00 ao ano (1.800.000 x 0,0913 x 365 dias); do total, US$ 29.302.200,00 sairão, anualmente, direta ou indiretamente (pela renúncia fiscal, por exemplo) dos cofres do Estado, portanto, um subsídio que será arcado pelo contribuinte cearense.
O professor Eurico ainda mostra que, com a compra e transporte do gás da Bolívia, a Petrobras despende US$ 0,204/m3, assim, entregando à siderúrgica cearense ao preço de US$ 0,0913/m3, estará pagando mais do que o dobro do que receberá pelo fornecimento. Dessa maneira, diz ele, a Petrobras ‘ficou com um ônus muito grande e terá dificuldade para cumprir o acordo; acho que se terá de achar um meio-termo’. Como anotei acima, têm razão os políticos cearenses reclamando da ‘quebra de contrato’, pois o Estado e os investidores não têm culpa se a Petrobras foi imprevidente, se o foi, ao assinar o documento nesses termos. Entanto, os leitores têm o direito a todos os esclarecimentos para balizar seu julgamento.
Do diretor de Redação, Marcos Tardin, aos meus questionamentos, recebi a seguinte resposta: ‘Acho que o jornal editorializou sim o noticiário da siderúrgica. E isso foi intencional. Tivemos alguns pontos de vista de petistas e outros, incluindo a coluna Concidadania, do jornalista Valdemar Menezes, fazendo contraponto. Mas é inegável, creio, que o peso maior foi dado à defesa da siderúrgica. Vale salientar que, se não houve maior espaço para a posição da Petrobras, foi porque a própria empresa recusou-se a dar declarações e passar mais informações, ou porque seus aliados recolheram-se.’ Tirante o fato de o ombudsman nunca ter falado em ‘pontos de vista dos petistas’, mas ter defendido mais interpretação, contextualização e esclarecimentos, a resposta do diretor de Redação fala por si.
Tempo
Da diretora da rádio FM Tempo, Carmen Lúcia Rocha Dummar Azulai, recebi correspondência respondendo à nota da Coluna passada, na qual um leitor comentava evento da emissora do Grupo de Comunicação O Povo, noticiada na edição de 24/11: Show abre festejos dos 18 anos da Tempo FM. O leitor viu ‘contradição’ entre a campanha que o jornal faz contra o barulho urbano e o show realizado na sede da emissora, na Aldeota, que, segundo disse, não o teria deixado ‘ler, ver televisão ou dormir’ entre 18h e 23h. Carmen Lúcia disse que se cercou de todos os cuidados para tentar evitar incômodo aos vizinhos; afirma que as músicas foram executadas ‘apenas com teclados e voz do cantor Guilherme Arantes’, em volume próprio para ambientes internos, ‘agradável de ouvir mesmo para os convidados que estavam ao lado das caixas de som’. Ela também disse ter falado antes com a síndica do prédio vizinho, convidando alguns moradores para o evento. A diretora afirma que o espetáculo começou às 21h e terminou pouco depois das 22 horas. Por fim, disse que pretende falar pessoalmente com o leitor de modo a encontrar um modo de convivência harmoniosa com a vizinhança.’