Dez anos atrás, no dia 21 de janeiro de 2005, fui agredido pelo advogado e jornalista Ronaldo Batista Maiorana, um dos donos do grupo Liberal, formado pelo maior complexo de comunicação do norte do Brasil, cujo poder resulta em grande parte de ser afiliado à Rede Globo de Televisão. Segundo Maiorana, a agressão foi motivada por um artigo que escrevi sobre o irmão dele, Romulo Maiorana Júnior, o principal executivo da corporação. O texto não fazia qualquer menção a Ronaldo.
Prestei queixa na polícia, que encaminhou o processo ao Ministério Público, que fez a denúncia, que resultou em processo em uma das varas do juizado especial e culminou no pagamento, pelo agressor, de multa equivalente a 50 salários mínimos. Não em dinheiro, mas no fornecimento de cestas básicas a instituições de caridade, uma das quais muito ligada à família. Um dos dois PMs que deram cobertura a Ronaldo, o que participou diretamente da agressão, foi punido com multa de um salário mínimo.
Além de me negar a fazer qualquer acordo com meus agressores, nada mais pude fazer senão acompanhar, impotente, as tratativas do representante do MP atrás de um valor para a reparação do crime, já que o réu nada mais pode fazer no processo. Silêncio que lhe é imposto a pretexto de dar celeridade à instrução nas varas do juizado especial.
No momento em que fui agredido, dentro de um restaurante, localizado num parque público de Belém, onde também tem sua sede a Secretaria de Cultura do Estado, eu respondia a 16 processos na justiça, cinco dos quais – sendo quatro penais (por calúnia, injúria e difamação, com base na espúria e já extinta lei de imprensa, de 1967) e um cível (para me impedir de voltar a tocar no nome da autora das ações) – ajuizados por Rosângela Maiorana Kzan, diretora administrativa do jornal O Liberal e irmã de Ronaldo.
Menos de três meses depois da agressão, para evitar a decadência do direito no foro criminal, os irmãos Romulo e Ronaldo, mais sua empresa, Delta Publicidade, propuseram 14 ações contra mim. Duas delas porque disse que fui espancado quando, na verdade, fui “apenas” agredido. Cometera assim crime de injúria, difamação e calúnia, além de ser passível de indenizar o ofendido, que viu seu punho ser bloqueado na sua livre trajetória pelo meu rosto.
O melhor teste
Passados 10 anos, quando quatro dessas ações ainda sobrevivem no foro de Belém, continuando a atormentar a minha vida, decidi lançar este livro não para recontar a história da agressão, já suficientemente relatada em dois outros livros. Tento aqui demonstrar ao leitor o que está por trás das circunstâncias desses processos movidos por esses quatro autores, os três irmãos (Romulo, Rosângela e Ronaldo Maiorana) e sua empresa jornalística, 19 do total de 33 que me assolaram e ainda me oneram a partir dos cinco primeiros, os de Rosângela, de 1992:
1. Apesar de terem ao seu dispor o maior complexo de comunicações da Amazônia, os três nunca o usaram para se contrapor ao que publiquei em meu pequeníssimo jornal, um quinzenário de 16 páginas em formato A4, com tiragem de dois mil exemplares.
2. Os porta-vozes dos Maioranas alegam que essa atitude se explica facilmente: silenciam em seus veículos para não dar repercussão ao que sai no meu jornaleco, deixando que ele se esgote em si mesmo.
3. No entanto, podiam aproveitar que publico na íntegra as cartas que são enviadas ao meu Jornal Pessoal e exercer nele o direito de resposta, contraditando o que digo. Ainda mais porque nunca tratei da vida privada dos irmãos. Sempre o que visei foi sua atuação pública, em função exatamente da influência que exercem sobre a sociedade com os seus poderosos veículos.
4. Em função desse poder, as ações judiciais que interpuseram se tornaram a principal fonte de atenção, energia e tensão na minha vida a partir de 1992. Os Maioranas não se limitaram a dar andamento processual, como um cidadão comum faria: pressionaram nos bastidores, ou mesmo publicamente, aí, sim, usando seu império de comunicação, para conseguir o que queriam, mesmo que o que estavam querendo representasse a violação aos princípios legais, ao direito e à justiça. O objetivo se tornou evidente: usar a justiça para me impedir de continuar a fazer o meu jornal, ou fazê-lo sob tal sacrifício que a tarefa acabaria sendo demasiada. Eu sucumbiria.
Mas não sucumbi. Este livro é uma seleção de artigos que escrevi a partir do ano seguinte à agressão, até 2011 (evitei chegar mais perto de agora). Pouco têm a ver com ela. Minha intenção, ao reuni-los, é mostrar por que meus artigos incomodam tanto os donos da imprensa no Pará, sobretudo aos Maioranas, aqueles que têm o poderoso respaldo da Rede Globo.
O incômodo está em que revelo os bastidores do processo jornalístico, a motivação para o que chega à letra de forma, ao som e à imagem dos veículos desse império. É a história real, que não será contada se não a registrar para os contemporâneos e preservar para as gerações que nos seguirem. A história da imprensa é também a história do poder, da atuação das elites, do mal que elas têm feito à região e ao país – sem atenuações, mas também destituída da paixão cega. Tudo fundamentado em fatos, em informações concretas, não desmentidas até hoje – daí o recurso ao confinamento da verdade nos autos dos processos judiciais, para que não chega à praça pública, tornando-se acessível a todas as pessoas que querem ver, não apenas seguir condutores mal-intencionados.
Preferi manter a sequência cronológica dos artigos. Sei que o jornalismo é considerado sempre efêmero, circunstancial e limitado. Por isso mesmo, a melhor forma de testá-lo é vê-lo em perspectiva e retrospectiva. Se ele foi capaz de ver a história no cotidiano, na sucessão aparentemente informe dos fatos do dia a dia, então merece a forma mais perene do livro. Se não, que o livro seja entregue à sua própria sorte: o esquecimento. Quero, mais uma vez, me submeter ao teste dos meus caros leitores. Apostando na força e originalidade do jornalismo diante de todas as outras formas de saber e conhecimento humano.
Aventura amazônica
Resgatei meus textos do site do Observatório da Imprensa, que os tem reproduzido. Mantive a edição que lhes deu um dos editores do Observatório, Luiz Egypto, a quem agradeço pela atenção e o capricho.
Torço honestamente para que o leitor veja nestes textos, produzidos no calor da hora, um pouco da sua própria história, a saga do seu tempo e mais além: a incrível (a)ventura de ser contemporânea desta (ainda) nossa Amazônia.
[Em Belém do Grão-Pará, 21 de janeiro de 2015]
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)