A cobertura que o principal jornal da cidade do Rio de Janeiro, O Globo, ofereceu ao leitor no dia do aniversário de 450 anos da capital fluminense (1/3) reflete o clichê e o elitismo por meio dos quais a imprensa tem lidado com a chamada cidade maravilhosa. Em sua versão online, o que o periódico chama de “cobertura” não passa de uma série de fotos dos eventos artísticos simulatórios que homenageiam a cidade por meio de encenações de momentos históricos; bem como fotos do famoso momento em que se parte o imenso bolo confeitado no centro da cidade – claro, na presença do prefeito e do governador.
Nada de errado com essas comemorações e ritos, absolutamente. O incômodo tem origem em outras páginas. O editorial do jornal destaca a necessidade de reparar os equívocos urbanísticos do passado, sobretudo no que diz respeito à arquitetura (ver aqui). Nesse mesmo texto aparece um dado que pouco parece importar dentro dessa necessidade de reajustar equívocos do passado: o aumento da população morando em favelas, 22% da população, segundo o Censo de 2010.
Segundo a opinião d’O Globo, os reparos a serem feitos têm a ver com a reinserção do centro histórico da cidade na dinâmica comercial, habitacional e urbanística. Mas, ao apontar o Porto Maravilha como principal esperança dessa revitalização, evidencia que o que importa nessa nova configuração do centro do Rio é a dinâmica desenvolvimentista e financeira, dado que não sabemos de políticas habitacionais implicadas nesse entorno do Porto que porventura favoreçam as classes mal inseridas na dinâmica econômica da cidade, ou seja, os moradores das comunidades, que, segundo o Censo, só aumentam.
Oportunidades de bons negócios
Sem subestimar a importância de obras dessa magnitude para o resgate de uma área importante da cidade, sabemos que, tendo em vista a supervalorização imobiliária da região central próxima ao porto, às barcas, a nova configuração habitacional não incluirá a população com dificuldades de moradia.
Dito de outro modo, o que é importante para o desenvolvimento da cidade não é necessariamente importante para lidar com os problemas básicos de boa parte da população da cidade. Isso fica de algum modo expresso também no texto assinado pelo prefeito Eduardo Paes na mesma edição comemorativa de domingo. Entre um clichê e outro acerca das maravilhas da cidade, impressos num tom metafórico, o prefeito acerta ao dizer que a maior invenção do Rio são os cariocas (ver aqui). Sim, o que pode fazer do Rio uma cidade maravilhosa, além da publicidade midiática, sem sombra de dúvida é o povo que a habita. Mas, no decorrer de sua declaração de amor, o prefeito diz ser feliz por ter sido eleito o homem responsável para cuidar da cidade. Mas espera aí, prefeito! Cuidar da cidade é zelar por seu povo, o carioca, grande invenção da cidade, não?
Os compromissos que deveriam ser firmados e ampliados para lidar com os problemas menos metafóricos da cidade, ou seja, políticas de diminuição da discrepância social, de efetiva inserção populacional, não são mencionadas nem pelo editorial nem pelo prefeito da cidade maravilhosa. Quem pareceu se lembrar da urgência em se democratizar o Rio para sua população, propondo políticas habitacionais menos elitistas, foi o arquiteto Lauro Cavalcanti, em entrevista concedida para a mesma edição (ver aqui).
Desenvolver o Rio de Janeiro, para o principal periódico da cidade, bem como para seu prefeito, não passa de tratar melhor e abrir novas oportunidades de bons negócios e qualidade de vida para quem a cidade nunca se recusou a abrir os braços. A sorte da administração pública e da imprensa do Rio é que, mesmo não tendo para si os braços abertos, o povo do Rio, no condomínio ou na favela, ama-o alegremente.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social