Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A galáxia de Gutenberg

Até quando resistirão os grandes jornais japoneses, os maiores do mundo, ao gigantismo da internet envolvendo três bilhões de pessoas em comunicação instantânea planetária? O Japão tem uma população de 128 milhões de pessoas, dos quais 30 milhões em Tóquio, maior metrópole do planeta, e cerca de 120 diários impressos com tiragem total de mais de 72 milhões de exemplares. Entre eles, estão os cinco maiores jornais do mundo.

Até quando manterão essa performance? Qual a estrutura industrial-tecnológica deles para enfrentar essa avassaladora onda digital que está derrubando os jornais impressos, sobretudo nos Estados Unidos? Qual a verdadeira força deles diante desse grande desafio? Manterão viva a história de 559 anos dos impressos, desde 1455 com o inventor alemão Johannes Gutenberg, impressor da primeira Bíblia?

Encontrei na Associação Mundial de Jornais e outras fontes, números impressionantes desses jornalões japoneses, campeões mundiais. Em primeiro lugar, o campeoníssimo Youmiuri Shimbun, fundado em 1874: 14,4 milhões de exemplares, 10,6 milhões de assinantes, 1.300 jornalistas, 60 rotativas de alta velocidade, 22 oficinas para impressão simultânea em Osaka, Nagoya e Fukuoka, 2.700 caminhões para distribuição do jornal, milhares de pontos de venda, 106 mil entregadores de exemplares de assinantes, transmitido por satélite e impresso também em Hong Kong, Bangcoc, Los Angeles, Nova York e Londres, sete aeronaves (entre jatos e helicópteros) para deslocamentos de emergência.

Em segundo lugar, o portentoso Asahi Shimbun, fundado em 1879: 12,2 milhões de exemplares, 12 milhões de assinantes, 6.500 funcionários, 1.200 jornalistas, alojamento onde dormem 300 repórteres prontos para qualquer imprevisto, dois aviões a jato e cinco helicópteros para deslocamentos de emergência, 43 sucursais e 250 escritórios no Japão,84 mil entregadores de exemplares de assinantes, impressão simultânea em Tóquio e outras 21 cidades do Japão.

O esplendor do sol nascente

Na sequência, com menores estruturas, mas ainda assim grandiosas, aparecem: em terceiro, Mainichi Shimbun, fundado em 1871, com 5,7 milhões de exemplares; em quarto, Nikkei Shimbun, fundado em 1876, com 5 milhões de exemplares; em quinto, Chunichi Shimbun, com 4,5 milhões de exemplares. Somente esses cinco jornais circulam 41,6 milhões de exemplares. Uma superpotência de produção e consumo de jornais.

Quem faz essa superpotência é o próprio povo japonês. É um povo que tem a classe média mais rica do mundo, não tem analfabetos e exibe uma particularidade: é conservador, preservando valores e tradições milenares; e é progressista, incorporando o desenvolvimento e as inovações tecnológicas. É um povo que adora novidades como celulares, tablets, computadores, mas também adora suas antiguidades, suas tradições. Por isso, mantém os tamborins do taiko, na cultura japonesa há mais de 1500 anos; o kimono, traje típico japonês que vem do ano 400; a ikebana, arte japonesa dos arranjos florais com mais mil anos; as gueixas, mulheres de arte, dança e canto, desde 1750; e o culto à beleza da cerejeira, flor símbolo do Japão, desde o ano 794. Os japoneses conservam tudo isso com alegria e entusiasmo, valorizando sua cultura. Eles não deixam o sucesso do Japão moderno apagar dois mil anos de história. É uma sociedade fantástica onde o velho e o novo convivem harmonicamente.

Embora não sejam milenares, os maiores jornais japoneses da atualidade também fazem parte da cultura japonesa. São admirados e respeitados pelo povo como representantes e símbolos do Japão mundo afora. Isso é motivo de muito orgulho para eles. Por isso, os japoneses fazem questão de participar da manutenção desses jornalões como assinantes, sentindo-se semiacionistas. Daí apenas os dois maiores terem 22,6 milhões de assinantes. O hábito de leitura de jornais entre os japoneses é tão arraigado que muitos compram e leem dois jornais por dia.

Mesmo assim, com toda essa força do povo, será que os jornais japoneses resistirão à força da indomável internet? Será que escaparão do ataque e da enroscadura da serpente? Manterão viva a invenção gutenberguiana tão importante para a humanidade? Seja como for, Gutenberg jamais sonhou com uma constelação dessa magnitude em sua galáxia e ficaria encantado vendo-a com estrelas de primeira grandeza tão candentes e tão reluzentes. Como o esplendor do Sol Nascente.

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Jota Alcides é jornalista e escritor