Antecipando-se às comemorações dos 30 anos da redemocratização, chega às livrarias nos próximos dias aquela que é apresentada como a “biografia definitiva” de Tancredo Neves (1910-1985), o político eleito indiretamente para ser o primeiro presidente civil após a ditadura.
A história, como se sabe, seguiu um caminho inusitado. Internado na véspera da posse, Tancredo morreu 38 dias depois, vítima de uma infecção generalizada. O cargo ficou com o vice, José Sarney.
Escrita por um ex-assessor, José Augusto Ribeiro, “Tancredo Neves: A Noite do Destino” (Civilização Brasileira) é fruto de quase 20 anos de pesquisa. Jornalista, Ribeiro foi assessor de imprensa de Tancredo de agosto de 1984 a janeiro de 1985, durante a campanha que o elegeu presidente, e teve acesso ao acervo pessoal do mineiro.
O livro, contudo, falha na pretensão assumida de apresentar um retrato completo do personagem.
A trajetória do presidente que não foi é riquíssima. Tancredo foi vereador da sua São João del Rei natal, deputado estadual, federal, ministro da Justiça do último governo de Getúlio Vargas, primeiro-ministro de João Goulart no período parlamentarista, senador e governador de Minas.
Hipótese rechaçada
O melhor de “A Noite do Destino” está nos capítulos que abrangem as décadas de 1950 e 1960, período em que Tancredo moldou seu “ethos” político em momentos-chave da história: a crise que levou ao suicídio de Getúlio, que ele acompanharia de dentro do Palácio do Catete; a atuação como “conselheiro invisível” de Juscelino Kubitschek e, ainda, sua hábil articulação para a posse de João Goulart, em 1961, assumindo por meses o cargo de primeiro-ministro na curta fase parlamentarista.
Apesar das 868 páginas, o livro ignora aspectos da vida pessoal de Tancredo e aborda superficialmente sua formação em Belo Horizonte, entre os anos 20 e 30, quando foi repórter de política e convivia com nomes que mais tarde seriam referências intelectuais e políticas do país.
Já eventos secundários, como a entrevista coletiva que deu após a vitória no Colégio Eleitoral, em 1985, recebem demasiada atenção, com a reprodução até das perguntas dos jornalistas presentes.
Um dos episódios pouco explorados é a derrota de Tancredo na eleição mineira de 1960. Ele perdeu uma disputa considerada fácil, em parte pela traição de JK, que o preteriu numa disputa paroquial com José Maria Alkmin.
O episódio, que acabou resultando na vitória Magalhães Pinto –considerado depois “o líder civil” do golpe de 1964– é crucial na carreira de Tancredo, como ele mesmo recordaria. Mas é narrado em só duas páginas no livro.
Outro lapso é o atentado a bomba no Riocentro, em 1981. Uma das netas de Tancredo foi testemunha da explosão, mas o caso é apenas citado.
O melhor da história –a condução política de Tancredo e suas orientações à neta– ficou de fora.
Quando a narrativa entra nos anos 1980, a história se mistura às memórias de Ribeiro, que passa a contar episódios em primeira pessoa.
No epílogo, o autor revisita a tese do assassinato de Tancredo, hipótese já rechaçada por familiares e laudos. A frase que termina o livro é representativa do tom pouco crítico da obra: “Nem mesmo o risco do assassinato o levaria a recusar a convocação para servir a seu país”.
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Lucas Ferraz, da Folha de S.Paulo