Quando o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) iniciou a investigação do caso SwissLeaks, há dez meses, sabíamos que seria uma notícia importante –mas não imaginávamos que levaria executivos do HSBC a pedir desculpas, autoridades governamentais a abrirem inquéritos em vários países e cidadãos a exigir igualdade fiscal e transparência.
O ICIJ é uma rede que, desde 1997, reúne jornalistas independentes em 65 países, investigando questões de importância global, do contrabando de cigarro ao tráfico de tecidos humanos e o papel de empresas contratadas por militares.
Não temos fins lucrativos e somos financiados exclusivamente por fundações e indivíduos que não participam de nossas decisões editoriais. Nosso trabalho é sempre sobre questões de interesse público.
Desde 2012, temos investigado paraísos fiscais. Em 9 de fevereiro, ao lado de mais de 50 empresas jornalísticas, expusemos como a filial suíça do HSBC havia aberto e mantido contas bancárias para traficantes de armas, negociantes de diamantes de sangue e sonegadores de impostos do mundo todo.
Foram muitos meses de apuração desde que nossos colegas do jornal francês “Le Monde” nos trouxeram dados e pediram que organizássemos a investigação mundial. Convocamos alguns dos melhores jornalistas de nossa rede (e de fora dela) para pesquisar os quase 60 mil arquivos vazados e encontrar casos de interesse público, país a país.
Só o começo
Contas de políticos, industriais importantes, criminosos, pessoas envolvidas em grandes escândalos e celebridades eram de interesse público. Mas não as de milhares de indivíduos, inclusive no Brasil, que não mereciam ser expostos só por terem conta na Suíça. Existem modos e motivos legítimos para isso.
Em certos países, os jornalistas não encontraram nome algum que valesse noticiar. É preciso ter coragem e integridade para aceitar isso enquanto colegas ao redor do mundo estão dando furos de reportagem.
Fomos questionados por não publicarmos as listas completas. Mas somos jornalistas investigativos, não vazadores de dados, ou ativistas, ou um órgão governamental.
Usamos as mais modernas ferramentas digitais para analisar dados, recrutamos os melhores jornalistas, contextualizamos informações confidenciais e damos às pessoas mencionadas a oportunidade de responder. Trabalhamos por meses com editores e checadores que questionam nossas hipóteses. Escolhemos cuidadosamente nossos parceiros.
No caso do SwissLeaks, fizemos parceria com Fernando Rodrigues, respeitado jornalista investigativo do UOL, que até há pouco trabalhava na Folha. Rodrigues revelou detalhes de contas suíças ligadas a envolvidos no escândalo da Petrobras e de empresários de ônibus do Rio. Recentemente, ele sugeriu que incluíssemos outro grupo de mídia para investigar com ele os arquivos brasileiros do SwissLeaks. Agora, o ICIJ trabalha também com “O Globo”.
O Senado brasileiro prometeu abrir inquérito sobre o SwissLeaks. Se as autoridades locais quiserem seguir o exemplo de outros países, devem requisitar ao governo francês os arquivos do HSBC referentes ao Brasil, que envolvem mais de 6.600 contas bancárias, ligadas a mais de 8.600 clientes que possuíam cerca de US$ 7 bilhões em 2006/2007, segundo a análise do ICIJ.
Desde 2010, governos que pediram essas informações e investigaram as contas recuperaram aproximadamente US$ 1,36 bilhão em impostos não pagos. Muitas outras autoridades fiscais nacionais já decidiram fazê-lo. Sob vários aspectos, o SwissLeaks mal começou.
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Marina Walker Guevara é diretora-adjunta do ICIJ