O mês de março chegou e com ele a agitação em muitas empresas, públicas e privadas, para homenagear as mulheres, já que no dia 8 desse mês é comemorado o “dia internacional da mulher”, data que surgiu no início do século 20 com o intuito de registrar e evidenciar a luta das mulheres por respeito e condições dignas de trabalho. Nesse sentido, homenagear deve ser saudar as mulheres, reconhecendo-as como múltiplas e de muitas competências e habilidades, diversas em seus modos de ser e viver.
Na intenção de homenagear as mulheres, muitos textos estão dispostos nas cidades. Dentre esses, chamam-nos a atenção os outdoors, que têm como função dar grande visibilidade ao objeto de discurso que constroem, pela dimensão e fixação nas principais vias públicas. Assim, em uma cidade do quadrilátero sertanejo, que compreende o encontro dos estados Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe, no alto sertão, foi possível nessa última semana deparar com ao menos sete diferentes dessas “propagandas”, visando cultuar as mulheres. Será que conseguiram?
Empresas públicas e privadas colocaram nas ruas suas homenagens. Que mulher homenagearam? Que homenagem fizeram? Algumas preferiram dialogar diretamente com a mulher, convocando-lhe a atenção, e outras tiverem como preferência torná-las seu objeto de discurso, falando sobre elas. Assim, em uma ou outra opção, nos outdoors mencionados houve a recorrência da cor rosa dentre as cores escolhidas, seja no pano de fundo do texto propagandístico, seja na cor do próprio texto escrito. Além da predominância dessa cor, imagens de flores (floratta?) foram espalhadas na maioria dos “grandes painéis”, em diversos “tons de rosa”. Que sentidos são, então, construídos sobre e para as mulheres com tais escolhas semióticas?
Mundo patriarcal
No texto escrito, a mulher foi singularizada em praticamente todos, na interpelação ou na referenciação – era apenas “mulher”, nunca “mulheres”, mesmo que tenha sido categorizada em e por equipes de trabalho, sendo em apenas um dos outdoors vista de modo plural, como “elas”. Mas, “sempre… mulher!” Singular. Em sua definição, explícita ou não, a mulher é compreendida num mesmo bojo de sentidos, qual seja, o da mulher “mãe” e “educadora”, a própria personificação da deusa Têmis, protetora e conselheira – a encarnação da Lei –, a justiça em si, qualificada de bela, alegre, inspiradora, amorosa e dádiva.
Por tais escolhas, seja da cor, das flores, da singularização, da interpelação, da denominação ou da qualificação, parece-me que as mulheres, em sua pluralização, foram apagadas, negligenciadas nesses outdoors, dando lugar apenas à ideia de uma mulher universal e a partir da noção de papel de sexo, quando entendemos que o ser mulher sendo generalizado é apenas um, de um único modo e, sendo assim, teria seu corpo determinado biologicamente, assim como seu comportamento e suas escolhas, inclusive de cores – o rosa, que estaria relacionado e daria vida a uma mulher dócil, delicada e feminina. Sensível. Bela! Seria, então, ainda a dona de casa, com mãos para cozer e cozinhar? Possivelmente. Essa mulher é também branca, como as retratadas nesses grandes textos.
Dessa inteligibilidade construída acerca das “homenagens” às mulheres em outdoors no quadrilátero sertanejo, consideramos que apenas duas empresas mencionaram a submissão pela qual as mulheres têm passado, por sua condição de gênero, e citaram as conquistas, as lutas que essas têm realizado no intuito de que as mulheres precisam ser vistas, ouvidas e consideradas. Parabéns para essas empresas, que trazem a visibilidade para esses sujeitos (ou “sujeitas”?), historicizando sua condição e participação em um mundo de relação ainda gritantemente patriarcal, machista e etnocêntrica.
“Tons” de cinza
Entretanto, a homenagem não pode ser simplesmente um “parabéns pelo seu dia”. Faz-se de enorme relevância que seja dada visibilidade às mulheres em sua múltipla dimensão e que se discuta a grande violência e o preconceito que as mulheres ainda enfrentam, inclusive no acesso aos direitos fundamentais, tendo em vista que muitas pagam com a própria vida por sua condição de ser mulher. Numa data como essa, o dia internacional da mulher, o “eu” discursivo em um outdoor que se propõe homenagear as mulheres não pode somente olhar para si, auto evidenciando-se, tampouco apenas indicar uma loja ou uma promoção. Precisamos mais! Cadê a mulher negra? Cadê a sertaneja de lenço na cabeça? Cadê a mulher transgênera? Cadê a prostituta?
Pela reflexão, temos nos outdoors analisados muito mais um apagamento das mulheres do que uma homenagem a essas. Diria até que temos uma visibilidade, mas do apagamento, pois tais textos propagandísticos construíram a mulher naturalizando o conceito que impera no senso comum dominante, o de que todas são iguais: branca, mãe, sensível. Heterossexual? Deixo a dica, para a próxima homenagem, de que as mulheres precisam ser vistas e compreendidas em seus diversos “tons” (de “cinza”?), menos em seus “tons de rosa”.
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Ismar Inácio dos Santos Filho é professor da disciplina Linguística Queer