Escândalo: deputados abusam de benefícios públicos para fins particulares. Neste caso, vale o clichê: qualquer semelhança com o Brasil é, de fato, mera coincidência. O escândalo ocorreu do outro lado do Atlântico, na Old England, e abalou o governo britânico. Integrantes do Parlamento usaram dinheiro público, aproveitando brechas nas regras parlamentares, para redecorar suas casas e pagar funcionários pessoais – como jardineiros, por exemplo.
A mídia não entra nesta história como mera coadjuvante. O jornal Daily Telegraph agiu como um vigilante defensor do direito do público à informação e publicou, nos mínimos detalhes, a gastança exagerada e o comportamento abusivo dos parlamentares. Funcionava da seguinte forma: políticos eleitos para a Câmara dos Comuns que não têm residência em Londres tinham direito a uma verba para custear uma casa na capital. O truque consistia em listar a primeira residência, na cidade de origem, como a segunda, garantindo dinheiro público para o pagamento de gastos com reformas, empregados e alimentação. Nas compras pagas pelos cidadãos britânicos estavam também tampas de privadas, vídeos pornográficos, um iPhone e uma ilha flutuante para patos (!). Há ainda fortes indícios de que alguns deputados teriam melhorado as casas com dinheiro público para depois vendê-las por um preço mais alto.
Compra e venda
No início de maio, o Telegraph publicou uma série de matérias sobre os abusos parlamentares, listando as irregularidades e apontando os políticos que se diferenciam dos colegas por não terem aceitado o auxílio-moradia pago com dinheiro do contribuinte. O jornal chegou a publicar detalhes como as 10 lojas preferidas dos parlamentares. E o escândalo foi crescendo tanto que mais de 20 políticos prometeram devolver o dinheiro usado irregularmente. Até agora, 200 deles – de todos os partidos – foram afetados pelas denúncias. O presidente da Câmara dos Comuns, Michael Martin, deixou o cargo por ter sido omisso em administrar o problema – é a primeira vez em 300 anos que isso ocorre. Três deputados – dois conservadores e um do Partido Trabalhista – já anunciaram que não tentarão a reeleição. Entre eles está Peter Viggers, o dono da tal ilha com casinhas para patos. ‘Estou envergonhado e humilhado e peço desculpas’, declarou.
No fim da semana passada, descobriu-se a fonte dos documentos com a listagem das despesas dos deputados. O ex-agente das forças especiais britânicas John Wick foi quem fez os papéis chegarem ao Daily Telegraph. Wick, que cita sua experiência militar para justificar a ‘coragem’ de assumir os riscos de tornar públicos os papéis, diz que, na verdade, eles foram obtidos inicialmente por outra pessoa, a quem não identifica. Ele afirma ainda que os documentos não foram roubados, mas admite que se trata de uma cópia conseguida sem autorização graças à ineficiência dos procedimentos de segurança do Parlamento.
Wick ressalta que escolheu vender os papéis para o Telegraph por crer que o jornal trataria do assunto ‘de maneira equilibrada’. De posse da primeira informação, o Telegraph mandou a campo os seus repórteres. Sabe-se, entretanto, que os documentos também foram oferecidos aos jornais Times e Sun, que se recusaram a pagar por eles.
Indignação pública
O escândalo britânico poderia servir de exemplo aos tristemente comuns escândalos de Brasília. Melhor: deveria servir de exemplo aos cidadãos brasileiros. No Reino Unido, um órgão de imprensa consegue, com uma investigação bem fundamentada, gerar indignação pública, envergonhar os políticos e provocar punições daqueles que ocupam o poder. Lá, Viggers se diz envergonhado e humilhado; aqui, o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), insinuando que não puniria o colega Edmar Moreira (sem partido-MG), que omitiu um castelo de 25 milhões de reais de sua declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, diz ‘se lixar’ para a opinião pública.
Corrupção existe em todo lugar. A diferença está em como lidar com ela. O Daily Telegraph continua a publicar, diariamente, artigos sobre o escândalo britânico.
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Jornalista