Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A questão da audiência e da avaliação

A televisão pública se dedica, nos últimos dois anos, a construir seu caráter, razão e sentido. Teremos um momento histórico no II Fórum Nacional das TVs Públicas, de 26 a 28 de maio, em Brasília, quando vamos reunir todos os segmentos do campo público de televisão e compartilhar experiências com especialistas do Brasil, Europa e Estados Unidos.


Uma das questões mais sensíveis que nos são colocadas diz respeito à audiência. Até agora, as críticas e análises, muitas vezes nervosas, são lastreadas numa matriz de raciocínio primário. Pensando-se em linha reta e sem qualquer sofisticação, uma televisão no Brasil vale pela audiência que estoca para alugar aos anunciantes. Vamos tentar arejar o debate, para ver se conseguimos escapar da mesmice e do imediatismo.


Na vida real, é assim: a televisão privada fala com consumidores, enquanto a televisão pública se dirige a cidadãos, com o propósito de contribuir para a sua formação crítica.


A TV comercial tem que dar respostas aos esforços de venda dos anunciantes e sua programação deve se engajar no processo; tem que conquistar, estocar, reter e seduzir a audiência, formada por consumidores. Da parte das TVs públicas esperamos consolidar no II Fórum Nacional a regra de só nos permitirmos publicidade institucional, rejeitando as que vendem produtos ou serviços que visam a lucros.


Reflexos condicionados e dialética reflexiva


De um modo geral, podemos raciocinar com esses dois conceitos principais para caracterizar o telespectador: o consumidor e o cidadão. Ora, com objetivos tão diferentes, a programação e a avaliação de desempenho de cada campo também têm que ser diferentes. Quando uma rede de lojas investe os tubos num fim de semana para vender seus armários e eletrodomésticos, vai medir o resultado já na segunda-feira. A televisão privada terá atuado como o elo mais importante na cadeia da produção ao consumo, onde a sedução funciona de ponta a ponta. O cerco ao consumidor trabalha fortemente a abordagem emocional e o ter para ser, o instinto e a compulsão.


Isto não cabe na TV pública que buscamos implementar e que deve dialogar com a inteligência das pessoas, subordinar-se aos interesses da sociedade e provê-la dos conteúdos relevantes não contemplados pelos patrocínios negociais. Por isto o principal mantenedor da TV pública em todo o mundo é o recurso público, seja via orçamento, renúncia fiscal ou outros mecanismos indutores.


Neste país audiovisual e inexoravelmente digital, é gigantesca a tarefa a que se propõe à TV pública. Estamos falando não só da tolerância, mas da celebração da diversidade cultural, sob os parâmetros da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao dedicar-se a refletir essa diversidade, a televisão pública funciona como um espelho da sociedade, favorecendo seu autoconhecimento e a assunção dos seus caminhos. E aqui nos encontramos com o nosso principal papel – de formação crítica das pessoas, ou seja, de promoção da cidadania.


Temos, portanto, dois conceitos de telinha bem diferenciados: uma que aplica Pavlov e seus reflexos condicionados para o consumo e outra que se ilumina, conscientemente ou não, pela dialética reflexiva de Paulo Freire.


Clareando o debate


São escassos, no mundo inteiro, os mecanismos para avaliação dessa TV pública, formadora, provocadora e cúmplice da cidadania. Ainda precisamos desenvolver as réguas de medição desses efeitos não impulsivos, que passam por processos de condensação e sedimentação antes que informação se transforme em conhecimento e que se formem redes sociais fortes e protagonistas. Trata-se de um processo viral (no bom sentido, esclareça-se, nesses tempos de gripe suína) que se serve de vetores cada vez menos controláveis para contaminar camadas da população e a própria televisão comercial.


Não existe, ainda, uma resposta taxativa para estas questões, como bem demonstrou o Public Broadcasters International – PBI, evento anual, cuja edição 2008 foi realizada em Arles, na França, em outubro último, com a presença da delegação brasileira da Abepec, formada pela Rede Minas, TVE da Bahia e TV Brasil. Esse fórum reúne dirigentes de TVs públicas de todo o mundo e no PBI-2008 o diretor de estratégias da televisão pública holandesa NPO, Jeroen Verspeek, dedicou-se especificamente ao tema e discorreu sobre seus métodos de avaliação de desempenho da emissora (mudamos a palavra: desempenho, em vez de audiência). Seus cartões de pesquisas contêm oito parâmetros, que vão da qualidade da programação à eficiência e eficácia na gestão. Ele estará no Brasil, em nosso Fórum Nacional, discutindo o tema conosco.


Haveremos de desenvolver um método de mensuração com a experiência de outros países e com nossos especialistas, mas precisamos reconhecer que as bases dos atuais questionamentos são precárias e que estamos clareando o debate. Num país em que tiramos notas baixas em educação e cidadania, televisão pública e suas ferramentas inovadoras são estratégicas e não podem se limitar ao entretenimento.


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Veja aqui a programação do evento.

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Jornalista, especialista em Gestão Estratégica da Informação pela UFMG, presidente da Rede Minas e da Abepec, Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais