Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Levy, a ata, a relevância do óbvio

A ameaça de demissão do ministro da Fazenda Joaquim Levy, um dos grandes temas da segunda semana de março, chegou ao noticiário associada aos problemas do ajuste fiscal e à disparada do dólar. A história foi contada em duas versões. Uma delas foi apresentada por grandes jornais paulistanos. Segundo o Estado de S.Paulo, ele ameaçou deixar o governo se uma decisão da presidente Dilma Rousseff sobre subsídios ao setor elétrico fosse anulada por parlamentares. De acordo com a Folha de S.Paulo, a “ameaça ocorreu no dia 11 quando o Congresso quase derrubou o veto à prorrogação, até 2042, de subsídios às grandes empresas de energia do Nordeste”. Por dois votos, informou o Estadão, Levy “ganhou a queda de braço contra Renan e o PMDB”.

A outra versão, menos sensacional, foi publicada no Globo. De acordo com essa narrativa, ministros haviam mencionado a senadores a hipótese de uma demissão do ministro da Fazenda, se o Congresso criasse obstáculos ao ajuste fiscal. “Nas conversas com parlamentares, a demissão de Levy havia sido mencionada pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, ao apontar os riscos de o governo não conseguir realizar o ajuste”. Adiante: “Segundo um ministro próximo à presidente, ‘o nome de Levy foi usado em vão’ e ela cobrará a atuação de seus ministros”.

Essas matérias saíram no sábado (14/3). No domingo o assunto foi esquecido. Na segunda, o ministro fez uma palestra a convite da Associação Comercial de São Paulo. Sobrou para o leitor a tarefa de escolher uma das versões como verdadeira ou, talvez, de considerá-las complementares.

O próprio Levy entrou nas negociações com os senadores para buscar apoio à política de arrumação das contas públicas, Ele chegou a visitar o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), para discutir a correção da tabela do Imposto de Renda. A presidente Dilma havia vetado a correção de 6,5% aprovada pelo Congresso. A solução negociada foi uma tabela progressiva, com correção a partir de 6,5% para os contribuintes de renda mais baixa. Para os do topo a atualização ficou em 4,5%, taxa bem inferior à necessária para compensar a inflação.

Expectativas do mercado

O tema da ameaça de demissão também apareceu misturado com o material sobre o câmbio. Rumores sobre a disposição de Levy de sair do governo foram citados, segundo a Folha e o Globo, como uma das causas da enorme valorização do dólar no mercado brasileiro. Na sexta (13), o dólar foi vendido a R$ 2,36 no fechamento. Foi a maior cotação desde abril de 2003.

Em todo o mundo o moeda americana estava em alta. O avanço vigoroso da economia dos Estados Unidos e a expectativa de aumento dos juros na potência número 1 seriam suficientes para provocar a valorização. Mas a tendência foi reforçada, no mercado internacional, pelo afrouxamento monetário na zona do euro. O Banco Central Europeu havia começado o programa de emissões mensais de 60 bilhões de euros para estimular a economia da região. Esse grande aumento de oferta, programado para até setembro do próximo ano, deveria desvalorizar a moeda europeia. No Brasil, o mercado cambial ainda foi afetado pela crise política e pela incerteza quanto ao futuro da política de ajuste. A sequência de más notícias sobre a economia brasileira e o rumor sobre a disposição de Levy completaram o quadro de insegurança.

Na quinta-feira (12), o Banco Central (BC) havia divulgado a ata da reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom) realizada na semana anterior. Nessa reunião o comitê, formado por diretores do BC, havia elevado mais uma vez os juros básicos, dessa vez de 12,25% para 12,75% ao ano. A ata reproduz os dados e análises tomados como base para a decisão sobre os juros. É um documento importante para a formação e consolidação de expectativas do mercado financeiro. Na sexta-feira, o noticiário sobre a ata foi quase limitado às interpretações produzidas pelo pessoal do mercado.

Informação omitida

Como ocorre com frequência, em vários jornais os autores e editores do material deram mais peso às palavras dos entrevistados do que à própria leitura da ata. As matérias citaram os principais problemas indicados na ata, como a correção de preços represados. Apontaram a expectativa, indicada no documento, de levar a inflação à meta de 4,5% até o fim de 2016. Mencionaram, como vários analistas do mercado, a escassez de referências ao problema do câmbio. Alguns especialistas haviam considerado a ata moderada – ou, no jargão profissional, “dovish”, adjetivo derivado de “dove”, pombo. Em política monetária, os opostos são “hawk”, falcão, e “hawkish”. Com base nessas avaliações, especialistas haviam especulado sobre a próxima alta de juros: 0,25 ou 0,5 ponto de porcentagem?

Os jornais talvez tivessem fornecido algo mais apetitoso ao leitor se houvessem citado, para começar, o penúltimo parágrafo da ata – o último, de fato, com material analítico. Para o Copom, segundo esse parágrafo, “os avanços alcançados no combate à inflação – a exemplo de sinais benignos vindos de indicadores de expectativas de médio e longo prazo – ainda não se mostram suficientes”. Em outras palavras, vem mais aperto na próxima reunião, prevista para abril.

Este é o dado mais óbvio e mais importante para se começar o exame do texto. Mas essa passagem, citada de forma resumida em um jornal, foi omitida ou tratada indiretamente em boa parte da cobertura. Dar mais atenção ao óbvio poderia, de vez em quando, produzir resultados mais substanciosos.

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Rolf Kuntz é jornalista