Esta é a sua frase sobre os meios de comunicação no novo cenário plenamente digitalizado: “O controle da internet está com as pessoas, é das pessoas. Ali somos meros convidados e, se não agregarmos valor, sobramos”. O reconhecido professor de jornalismo e analista da mídia Jeff Jarvis (Washington DC, 1954) fala claro e interpela diretamente os grandes meios: “Não tenho nenhuma dúvida de que El País, The Guardian, The New York Times podem sobreviver, mas precisam se apressar!” A franqueza do prestigiado guru se impôs na quinta-feira [12/3] no diálogo que manteve com o presidente do Grupo Prisa, que edita El País, Juan Luis Cebrián, sobre o futuro dos meios de comunicação de massas em “La Escuela del Talento”, do jornal Cinco Días, também parte do grupo. “Os jornais em papel vão desaparecer ou já desapareceram e não nos demos conta?”, perguntou-lhe Cebrián. Sua resposta incomodará aos que se apegam ao papel: “Precisamos estar preparados para quando chegar o momento de parar as máquinas.”
“A pergunta que nós temos de fazer”, refletiu Jarvis, “é esta: ‘O que é o jornalismo? Por que o que fazemos é valioso?’ A sociedade precisa de informação de credibilidade, confiável, e vai continuar precisando”. Até aí, algo reconfortante, porque o desafio é enorme. “Agora, os jornais terão de ser plenamente sustentáveis e rentáveis como empresas digitais. Se quando chegar o momento do desaparecimento do papel não formos rentáveis, morreremos”, prognosticou. “Não digo que tenhamos de parar as máquinas amanhã, mas, sim, temos de estar preparados para quando esse momento chegar.” Ao contrário do que possa parecer, isso está apenas começando, previu o jornalista: “Acreditamos que a mudança vai ser rápida, mas estou começando a pensar que não, que estamos só no princípio da grande mudança.”
O modelo de negócio no ecossistema digital é o quebra-cabeças, e Juan Luis Cebrián indagou ao analista se a solução pode estar no chamado paywall (cobrar para ter acesso a conteúdo na internet) ou em um modelo de assinaturas. Jarvis, jornalista e professor de jornalismo, joga a responsabilidade para os profissionais: “Quando falamos de paywall o debate se torna muito passional. Dizemos: ‘As pessoas deveriam nos pagar’. Ou, também: ‘Antes pagavam, deveriam continuar nos pagando’. Mas o mundo mudou, há muitíssima concorrência”, admitiu o escritor e blogueiro, autor de três livros, O que a Google Faria?, Public Parts: How Sharing in the Digital Age Improves the Way We Work and Live (Partes Públicas: Como o Compartilhamento na Era Digital Melhora o Modo como Trabalhamos e Vivemos) e Geeks Bearing Gifts [algo como “os loucos da tecnologia trazem presentes”]. Os jornalistas, opina, têm de deixar de acreditar que todo o conteúdo que eles produzem é exclusivo e que, por isso, tem de ser pago. “Não sou contra cobrar pelo conteúdo jornalístico, mas só se for exclusivo. Mas essa ideia de que todo o nosso conteúdo é único, que ninguém o possui, temo que isso tenha acabado.”
No novo cenário no qual os meios dependem do Facebook e Google para distribuir seus conteúdos, Jarvis defende a negociação com as gigantes da Internet e a busca de uma relação de benefício mútuo. Obter sua “ajuda tecnológica e dados” e oferecer em troca um conteúdo, o jornalístico, de que também necessitam. “O Facebook e o Google conhecem melhor nossos conteúdos e nossos leitores do que nós mesmos”, declarou em uma entrevista a El País.
Era de especialização
A organização empresarial das empresas jornalísticas é outra das incógnitas do modelo de negócio: grandes grupos ou startups?, perguntaram a ele. “Há uma enorme oportunidade no campo empresarial. Há riscos, mas também é arriscado não crescer. Acredito que novas realidades trabalhistas estão ganhando terreno, os jornalistas trabalharão em equipes pequenas, multifuncionais, com ilustradores, diagramadores… E isso apesar de que lhes ensinamos a ser lobos solitários”, afirmou. Sua ideia tem mais a ver com integrar startups às grandes marcas, “como a de El País, que vale muitíssimo”, assinalou. Algo assim como “átomos menores que compõem uma molécula”, observou.
A privacidade na Internet e o direito ao esquecimento são outros debates próprios destes tempos para os quais Jarvis tem respostas francas e arriscadas. O jornalista vê mais benefícios na abertura. “O público é o público, ponto. O importante é a tolerância das sociedades com os erros alheios. Nos EUA uma professora é demitida por aparecer em uma foto bebendo cerveja. Nesse caso foram violados os direitos dessa professora, mas o problema é que não somos tolerantes.” A comunidade homossexual é outro exemplo. “Estavam fechados no armário, saíram a público e conseguiram a mudança. Essa tolerância que resulta da abertura é um passo adiante. O que tememos: o público ou a intolerância dos demais?”, concluiu.
O guru aposta também na especialização, em leitores que recebam a informação que demandam, e não toda aquela que é produzida. “Confesso que nem sou homem nem sou americano, porque os esportes não me interessam de modo algum, e o New York Times me maltrata todos os dias com a informação esportiva”, ironizou Jarvis. “No entanto, eu me interesso muito pela informação sobre a mídia, e vou buscá-la.” “Não customize tudo, mas não aja como se todos fôssemos consumir o mesmo produto final”, reflete. Ele não vê risco de que os cidadãos acabem encerrados na própria bolha. “Há estímulos por todos os lados. Não acho que vamos acabar todos metidos em uma redoma.”
Os jornalistas e os empresários dos meios de comunicação vivem os desafios com inquietação. Juan Luis Cebrián pediu a Jarvis, para finalizar, uma mensagem aos estudantes de jornalismo, não por acaso os mais preocupados de todos com o futuro. “Se eu acreditasse que não há futuro para o jornalismo eu seria uma fraude, porque sou professor de jornalismo [preside, além disso, o Tow-Knight Center para o Jornalismo Empreendedor na Escola de Jornalismo Cuny]. Claro que há”, disse a eles. “Avançamos rumo a uma era de especialização, haverá novas especialidades, e também há a possibilidade de ser um empresário. Os jovens podem tomar as rédeas de seu futuro se forem suficientemente corajosos.”
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E. G. De Blas, de El País