Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O elo da corrente

Não existe uma entidade sobrenatural chamada “mídia”. Ela é física, concreta, intencional e extremamente hábil para manipular até quem a rejeita. O jogo de dados e as transfusões de signos só acontecem porque há uma audiência. Esta sim poderia quebrar o elo. E se um elo for partido, vai-se toda corrente. A bicicleta sem a corrente não aciona o giro das rodas e inviabiliza qualquer movimentação dos pedais. Cai! É a audiência (mesmo a que se julga contrária) que legitima a emissão e o controle, pois sem receptores, não há emissores.

É a audiência que sustenta essa corrente. Leitores, espectadores e consumidores de notícias estão acorrentados a uma dose narcótica de formatos seguros, sob embalagens palatáveis, prontinhos para “confirmarem” a existência dos que a eles se submetem.

Assim gira o ciclo vicioso da corrente para gerar, construir e alimentar a tal “mídia”, que por sua vez se alimenta do próprio alimentador que a produz.

O modelo perpetua-se na corrente sem aceitar desvios ou acidentes de percurso (por exemplo, uma opinião contrária ao modelo chefe determinado pelo padrão da empresa). Até os que se julgam “livres” não percebem o grau de clonagem a que foram submetidos: tornaram-se absolutamente confiáveis! Vão ascender na escala hierárquica dos que compactuam, sem duvidar.

Se algum corpo estranho tenta sair do raio estabelecido (jornal, rádio, tv, blog ou mesmo webrede) e provocar atritos na engrenagem domesticada, logo a velha escala será restituída para assegurar o produto exigido pela audiência consumidora. O público que precisa receber diariamente (hoje, minuto a minuto) o modelo que repita: 
“Sim, meu mundo não caiu – estou representado na voz deles, na palavra deles, no texto deles, na imagem deles, pelas ideias deles…”

Assim mesmo

A audiência-corrente transferiu a decisão de existir por si mesmo. Ela só existe por tabela, uma vida de segunda mão. Ela só “vive” se “acontece” na cadeia dramatizada por algo fora de si. O rebanho dócil não é físsil, é fóssil!

“A gente precisa voltar a ser a gente”, escutei de um caboclo de lança do maracatu de Chã de Camará – Aliança (PE). Ele estava entusiasmado com o seu Ponto de Cultura e a chance de recuperar a sua vida. Queria mostrar a sua cara do jeito que ele canta, dança, festeja, come, veste, fala, reza, ama, trabalha e até se revolta…

Quebrar esse desejo de “voltar ser a gente, mesmo” é a tática que lubrifica a corrente para que o giro não se interrompa. Uma vez desperto a submissão morre e o encanto da sedução dominadora para…

E se a audiência quebra, o tal público-alvo deixou de estar na mira e a sociedade não é mais um mero “segmento de mercado”… Quebrou-se o encanto imobilizador, rompeu-se a grade da programação… e aí sai da frente (ou de cima) porque quando a base se mexe o salão se move.

(Me disseram que “estava longo pra usar em feice ou google+”, mas vai assim mesmo: a gente não se resume a tantas linhas adaptáveis ao fast-food do espumante frisson curti-não-curti ou +1 -1…)

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TT Catalão é jornalista