O editorial é a opinião da empresa de comunicação sobre determinado fato ou assunto. São pelas linhas do editorial que o jornal apresenta e defende a sua posição. Foi a defesa de uma tese contra a Lei do Feminicídio, em texto publicado no dia 6 passado, até agora, nesses dois meses de ombudsman, que ocasionou a maior chuva de reclamações dos leitores do O POVO.
Com o título “Pelo humanismo e contra o populismo”, o texto se posicionou contra a legislação, sancionada pela presidente Dilma Roussef que estabelece o assassinato de mulheres por questões de gênero como crime hediondo. Na coluna publicada no dia 8 passado, já comentei o assunto no tópico “Infeliz editorial”. A nota, redigida a partir do alerta de um leitor no mesmo dia da publicação do editorial, ficou insuficiente para que os leitores se sentissem contemplados. A partir da segunda-feira passada, registrei para a lista de comentários internos o incômodo dos leitores nas justificativas utilizadas pelo jornal para se posicionar contra a lei.
Recebi reclamações de homens e mulheres. Decepção, tristeza, descontentamento, incômodo e vergonha foram sentimentos relatados por leitores. Lamentável, equívoco, desconhecimento, descontentamento e incoerente foram algumas das definições utilizadas por eles sobre as teses argumentadas no editorial daquela data.
Os leitores
Para a leitora Cristiane Sampaio, o editorial “abordou um assunto sério de forma rasa e imprudente, inclusive desvirtuando a real discussão que circunda a Lei do Feminicídio, o que certamente é um verdadeiro desserviço para a sociedade, que continua mal-informada a respeito da legislação”.
Na escrita de Carolina Areal, “o editorialista esqueceu as inúmeras reportagens feitas pelo próprio jornal O POVO, sobre inúmeros casos de mulheres que são mortas, abusadas e assediadas – todos os dias – pelo único fato de ser quem são: mulheres”.
O professor Francisco Luciano Teixeira Filho foi buscar na Filosofia teoria para fazer seu contraponto e no final destacar: “No nosso caso particular (Brasil), as mulheres, há muito, têm sofrido com a desigualdade. Salários mais baixos, violência doméstica, dupla jornada, homicídios reais e sociais, apagamento simbólico, enfim, colocam a mulher em uma situação de desigualdade inicial que justifica, em termos liberais, uma lei que as proteja. Por isso, o editorial do O POVO foi infeliz por criticar uma medida que, se pensada dentro de um contexto histórico particular, tem todos os quesitos necessários da civilização ocidental, capitalista e liberal”.
O jornal
Enviei email para a diretoria do Grupo de Comunicação O POVO e para a direção de Redação pedindo posicionamento sobre a questão e recebi a seguinte resposta: “Temos acompanhado com atenção o debate sobre o editorial do último dia 6. Antes de tudo, é importante ressaltar que O POVO tem um longo histórico em defesa dos direitos de segmentos mais vulneráveis da sociedade, o que obviamente inclui mulheres vítimas de violência. Uma consulta ao nosso Banco de Dados mostra uma infinidade de matérias, artigos, editoriais e reportagens sobre o assunto ao longo dos 87 anos da história do jornal”.
O texto continua: “Defendemos políticas públicas que, efetivamente, protejam estes segmentos, mas não entendemos que só a Lei de Feminicídio seja ferramenta adequada para tanto. Pode-se concordar ou discordar desta opinião, mas deve-se reconhecer que o Jornal nunca se fecha a outros pontos de vista em sua cobertura editorial. Um exemplo é a matéria ‘O que muda com a Lei do Feminicídio’ (http://bit.ly/1Mwc29H), publicada na última terça-feira. Nela, há opiniões bastante pertinentes, tanto a favor como contra a nova legislação, de modo a apresentar elementos que possam ajudar o leitor a formar, livremente, seu próprio juízo”.
Argumentos fora da realidade
O incômodo e a estranheza dos leitores, e a minha é, justamente, por entender que O POVO sempre foi sensível às questões sociais e, muitas vezes, defendeu posicionamentos de vanguarda nos seus editoriais. Transcrevo aqui o tópico “Democracia” da Carta de Princípios do O POVO: “O próprio nome do O POVO define a opção democrática que sempre foi e sempre deve ser de defesa das causas populares, inspiração de todas as formas democráticas de organização e fonte de permanente legitimidade do Poder institucionalizado”. Portanto, reafirmo que o que disse na coluna passada: o editorial foi infeliz. Uma tese foi construída em cima de argumentos que não se sustentam na realidade da mulher brasileira e as justificativas foram apoiadas em dados questionáveis.
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Tânia Alves é ombudsman do jornalO Povo