Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livro critica uso de emissoras públicas para promover políticos

Quando ouve no rádio os acordes de “O Guarani”, de Carlos Gomes, todo brasileiro sabe que está diante de duas opções: ou desliga o aparelho ou prepara os ouvidos para uma longa sinfonia de noticiário chapa-branca.

O oficialismo da “Voz do Brasil”, no ar desde 1935, é apenas a versão mais anacrônica do monstrengo radiografado em “O Estado de Narciso” (Companhia das Letras), lançamento do jornalista e professor Eugênio Bucci.

O livro mostra como os políticos brasileiros criaram uma supermáquina de autopromoção que submete meios públicos a interesses privados, em uma espécie de campanha eleitoral permanente.

Se o ato de governar já foi sinônimo de fazer obras, argumenta o autor, a máxima agora é fazer propaganda. “Antes a propaganda existia para dar visibilidade ao que o governo supostamente fazia. Hoje as obras, sociais ou não, existem para dar materialidade à propaganda”, diz.

“Construir a imagem é o destino de todo o esforço dos governantes –mesmo que, para isso, alguns hospitais, viadutos e sistemas de saneamento sejam necessários.”

Bucci descreve o funcionamento das melhores TVs públicas do mundo e explica por que o modelo não dá certo por aqui. O problema, explica, começa na submissão das emissoras às autoridades de plantão, que controlam verbas e indicam diretores.

Ele analisa os casos da TV Brasil, controlada pelo governo federal, e da TV Cultura, ligada ao governo paulista. Para o autor, o fato de as emissoras públicas terem baixa audiência não reduz a gravidade do seu uso indevido.

“Do jeito que estão, as emissoras públicas são toleradas pelas emissoras comerciais porque não incomodam em nada”, constata.

Uso de robôs

O autor enumera pressões que enfrentou ao tentar remar contra a maré como presidente da antiga Radiobrás, no primeiro governo Lula.

“O Estado de Narciso” também critica a publicidade institucional, que exalta o poder nos veículos comerciais.

Bucci anota que há muito em comum entre os lemas “Este é um país que vai para frente”, da ditadura militar, e “Sou brasileiro e não desisto nunca”, da era Lula.

O livro foi escrito antes de a presidente Dilma Rousseff rebatizar o país de “Pátria Educadora” e demitir o ministro da Educação com menos de três meses no cargo.

O autor também acusa o governo paulista de usar anúncios da Sabesp para tentar reduzir os efeitos da crise da água na reeleição do tucano Geraldo Alckmin.

Em uma crítica claramente direcionada ao PT, Bucci bate duro na tese de que é justificável torrar dinheiro público para defender o governo da “mídia monopolizada”.

“A verba pública incinerada na promoção do poder seria um ‘direito de defesa’ dos governos contra a ‘mídia oposicionista’. Haja cinismo.”

Ele ainda condena políticos que, na sua visão, defendem a regulação da mídia eletrônica apenas para intimidar emissoras críticas ao governo. “Na verdade, são a favor da censura”, acusa.

O noticiário dos últimos dias reforça os argumentos de Bucci contra a máquina da comunicação chapa-branca.

Talvez ele precise atualizar o livro em breve para tratar do uso de robôs governistas nas redes sociais, prescrito pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência.

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O Leviatã e seus balangandãs – Eugênio Bucci

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Bernardo Mello Franco, da Folha de S.Paulo