O documento sobre a política de comunicação do governo Dilma, atribuído à Secretaria de Comunicação, derrubou o secretário Thomas Traumann (ao que tudo indica, ele irá para a Petrobras, no lugar de Wilson Santarosa, que ocupava o cargo desde o início do governo Lula). É uma característica deste governo: Traumann, como o ministro da Educação, Cid Gomes, perdeu o cargo por falar a verdade.
E nesta área de Comunicação, a verdade, como diria a presidente Dilma, é estarrecedora: diz-se claramente no relatório que há um trabalho remunerado de produção de opiniões. Uma fonte central, dentro do governo, cria os argumentos a ser usados por profissionais assalariados que se apresentam como jornalistas independentes (“A guerrilha política precisa ter munição vinda de dentro do governo, mas ser disparada por soldados fora dele”) e repetidos não apenas por internautas que apoiam a política estatal, mas por batalhões de robôs, programados para atulhar as redes sociais com as posições chapa-branca e criar a impressão de que a maioria da população pensa do mesmo jeito. O linguista americano Noam Chomsky, ídolo da esquerda no mundo inteiro, chama esse processo de “fabricação de consenso”.
Sai caro: experimente o caro colega distribuir diariamente algumas dezenas de milhares de e-mails e terá um bom exemplo do custo desse trabalho. Mas não é só isso: os robôs precisam ser munidos de milhares de perfis falsos na rede, e montá-los para que sejam aceitos exige profissionais habilitados, trabalhando em tempo integral. É preciso manter satisfeitos com a posição de apoio ao governo vários órgãos de imprensa e profissionais. É tudo muito caro, exige estrutura e pessoal técnico, exige equipes pensantes.
É só a área de Comunicação do governo federal que faz isso? Não, infelizmente não: diversos governos estaduais e partidos com acesso a verbas fartas entraram no jogo, com imensos parques de robôs e muito dinheiro na parada. O governo federal se destaca, entre os múltiplos DCSs – Departamentos de Chutes no, digamos, lá mesmo – por ser muito maior que os outros, por ter em sua área de atuação empresas de grande porte, por ter a possibilidade de convencer companhias que não fazem parte de sua estrutura a cooperar com os esforços de difusão da verdade oficial. Mas, no geral, basta acompanhar os orçamentos de publicidade do governo federal, dos governos estaduais, das administrações municipais: qual outra explicação teriam para a multiplicação, ano a ano, dos gastos publicitários?
Dizem que há gente do governo federal defendendo a tese de que é preciso redistribuir a propaganda oficial, prejudicando os veículos que fazem oposição e prestigiando os que acham Aloízio Mercadante simpático e José Eduardo Cardozo, competente. Há quem considere que isso é um absurdo, usar verbas públicas para prestigiar as autoridades de plantão. Bobagem: a questão fundamental é outra. Se o governo não tem concorrentes, não disputa mercado, não oferece produtos, se o pagamento de impostos não é voluntário, mas obrigatório, por que precisa gastar em propaganda?
A mão na massa
Há casos em que a publicidade oficial se justifica: em campanhas de utilidade pública (vacinação, prevenção de moléstias), em publicação de editais de concorrência pública ou assemelhados, em anúncios de empresas estatais que disputam a preferência do mercado (bancos, Sedex, combustíveis, lubrificantes). Uma empresa como a Sabesp, que fornece água e esgotos, não tem motivo para anunciar: o cidadão domiciliado em sua área de influência não pode optar por outra empresa. Fora os setores competitivos e de divulgação obrigatória (e talvez em algum outro, que no momento escapa ao colunista) é jogar fora o dinheiro público. Pior: o que não é jogado fora é usado para fins que ninguém ousaria defender em público. Pensem num governante afirmando, em frente às câmeras, que gasta o dinheiro dos contribuintes em publicidade, para melhorar a votação de seu candidato. Não pode, né?
Há outros ralos, claro. No Petrolão, o esquema de subtração de recursos da Petrobras, com o uso de parte dele para financiamento de partidos políticos, mostra isso. Mas a drástica redução da publicidade oficial, se não fecha todas as saídas, geraria boa economia, mostraria à população que há vontade de gastar melhor o dinheiro público e, melhor do que tudo, faria aquilo que há tantos anos preconizavam em “Maria Moita” os grandes Carlos Lyra e Vinícius de Moraes: por pra trabalhar gente que nunca trabalhou.
A voz de quem sabe
A propósito de propaganda oficial, está saindo um livro excelente, da maior importância: O Estado de Narciso, do jornalista Eugênio Bucci. Bucci é professor de Comunicação, foi presidente da Radiobrás no governo Lula, trabalhou em boas redações, é petista há mais de trinta anos. Conhece o monstro da publicidade oficial por dentro e por fora. E sabe que esse tipo de propaganda é uma máquina de promoção de políticos, que constroem sua imagem à custa de dinheiro público.
“Antes a propaganda existia para dar visibilidade ao que o governo supostamente fazia. Hoje as obras, sociais ou não, existem para dar materialidade à propaganda”, diz Bucci.
O esquema foi montado de tal maneira que mesmo iniciativas que deram certo em outros países, como as tevês públicas, no Brasil não funcionam exceto como propaganda oficial: os governantes indicam os diretores e liberam (ou não) as verbas necessárias para o trabalho. É assim no governo federal petista, com a TV Brasil, é assim no governo tucano paulista, com a TV Cultura. Gasta-se dinheiro de todos em benefício dos políticos que estão no poder.
Da mesma maneira funciona a publicidade oficial: como pura e simples promoção de quem está no poder. Isso vale para todos os níveis de governo: dos anúncios de benesses sociais, federal e petista, à propaganda da Sabesp, estadual e tucana. A propaganda da Sabesp, diz Bucci, foi usada para facilitar a reeleição do governador Geraldo Alckmin apesar dos problemas de abastecimento de água. Não é só isso: antes da falta d’água, já se fazia propaganda da Sabesp em rede nacional de TV, embora a empresa atue apenas em âmbito estadual. Seria maldade dizer que foi uma maneira de agradar emissoras e redes que teriam importância nas eleições nacionais seguintes? Bucci não chega a esse ponto. Mas, do ponto de vista deste colunista, é uma ilação que se pode tirar a partir de suas observações.
É um livro que vale a pena. E que ajuda a entender porque as administrações gastam tanto do nosso dinheiro inventando slogans e elogiando-se por não fazerem mais do que sua obrigação.
Perguntas, perguntas, perguntas
Entrevista da presidente Dilma Rousseff, um dia depois das grandes manifestações de rua. É uma oportunidade rara: Dilma não gosta de falar com jornalista e nunca fez questão de escondê-lo. Raras são suas coletivas. E mais raras ainda entrevistas ao vivo, no calor da hora.
Nenhum dos repórteres – a elite de cada jornal, o pessoal de Brasília que cobre o governo – se limitou a uma só pergunta: cada um emendou três perguntas, no mínimo, dando à entrevistada a oportunidade de ouro de só responder à mais fácil, à mais conveniente, e esquecer as demais. Talvez nem tenha sido de propósito: tratava-se de uma entrevista, não de uma gincana para saber quem era capaz de decorar mais perguntas. Mais ainda, o repórter fazia sua série de perguntas, nenhuma contundente, a entrevistada respondia a uma delas e esquecia as outras, e não houve entrevistador que sequer fizesse menção às perguntas esquecidas.
Se o entrevistado pode escolher à pergunta que vai responder, por que os veículos de comunicação pagam o salário dos pauteiros?
Adeus, amigo
Mineiro, paulista, pernambucano; um grande jornalista. Paulo Sérgio Scarpa, ex-Folha de S.Paulo, ex-Jornal do Commercio, 66 anos, morreu na semana passada no Recife, vítima de câncer. Scarpa sempre trabalhou na área cultural; e, mais do que entender do assunto, era apreciador das artes. Não perdia ópera, não perdia bons espetáculos de teatro, era fã de música popular de qualidade, adorava música erudita. E, principalmente, era boa gente. Já faz falta.
Afogando em números
1. Um grande jornal impresso, de circulação nacional, diz que a manifestação do dia 15 foi a maior depois do comício da Praça da Sé pelas Diretas-Já, no dia 25 de abril de 1984, “que reuniu 400 mil pessoas”. O tempo passa, o tempo voa, o mundo gira, a Lusitana roda, mas número é número: logo após o comício, o mesmo jornal informava que ali havia 300 mil pessoas.
(A propósito, o comício das Diretas-Já na Praça da Sé ocorreu em 25 de janeiro. O de “25 de abril” foi em 16 de abril, ocorreu no Vale do Anhangabaú, e o jornal falava em um milhão de participantes).
2. Um grande jornal impresso, ao publicar a lista de empresas que contrataram os serviços de consultoria de José Dirceu, cita erroneamente as contribuições de cinco delas. A diferença entre os números publicados e os corretos varia de menos R$ 180 mil a mais de R$ 2,23 milhões. Coisa pouca.
(A propósito, numa das matérias da página, informa-se que o governo e o PT “querem o afastamento de tesoureiro 63”. Quem é Tesoureiro 63? A matéria se refere ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, mas o 63 é um mistério. Aparece só no título, não na matéria. E nem prometem um CD com todos os discursos de Dilma por ela mesma para quem descobrir o mistério.)
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
Título: “Vendas de imóveis usados recuam 28%”;
Texto: “(…) vendas de imóveis novos recuaram 28%”.
Tudo bem, é novo agora, mas depois será usado.
…é…
De um anúncio da Prefeitura paulistana, Centro de Controle de Zoonoses:
** “Todo cidadão tem direito a 10 castrações gratuitas pela Prefeitura em clínicas da rede credenciada”.
Quanto mais se vive mais se aprende. Este colunista tinha certeza de que o cidadão só conseguiria ser castrado uma vez.
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
** “Prefeito Mauro Henrique Chagas teria cobrado propina de R$ 100 mil para empresário”
Pois é. Imagina-se que o portal quisesse informar que o tal prefeito cobrava propina do empresário. Mas o que informa é que o tal prefeito cobrava propina (de alguém) para o empresário. Em vez de tomar do empresário para si, tomava de outros para dar ao empresário felizardo. Escrever errado tem esses problemas.
Frases
>> Da tuiteira Bea M. Moura: “Herrar uma vez é lulice. Herrar duas veis é dilmais.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “A entrevista de Cardozo e Rosseto prova que o fracasso também sobe à cabeça.”
>> Do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros: “O Aloízio Mercadante tem resposta para tudo e solução para nada.”
>> Do jornalista Leão Serva: “Petrobrás vai privatizar propriedades da empresa. Mas tucanaram a privatização: agora se chama ‘desinvestimento’.”
>> Do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, PMDB, sobre o PT: “Eles fazem tudo aquilo que pensavam que nós fazíamos.”
>> Do jornalista Ricardo Noblat: “A presidenta já avisou que é a pessoa mais humilda da galáxia!”
>> De uma faixa na manifestação de 15 de março, erguida (supõe-se) por um palmeirense: “Fora Dilma, Alckmin e Valdívia.”
>> Da jornalista Maria Helena Amaral: “Pedro Barusco foi o melhor investimento da Petrobras nos últimos cinco anos. Roubou US$97 milhões a R$ 1,70 e devolveu a R$ 3,10.”
>> Do deputado comunista Roberto Freire, presidente nacional do PPS: “Nada mais patético do que petistas que participaram conosco do impeachment de Collor falarem de terceiro turno e golpismo.”
>> ??Do jornalista James Akel, comentando o baixo ibope do programa de TV apresentado por Marina Mantega: “A filha é tão boa apresentadora quanto o pai era ministro.”
>> Do jornalista Jarbas de Barros Domingues: “Quando um homem consegue finalmente entender as mulheres, já está velho demais para se interessar por elas.”
E eu com isso?
Talvez não sejam as notícias mais importantes do mundo. Mas circule por aí e tente comentar o noticiário de Brasília, ou a refinaria do Maranhão. Difícil, né? Já a novela até quem diz que não a vê comenta cada cena com todos os detalhes. Que é mesmo o mais importante?
** “Tem famosa levando marmita até no restaurante”
** “Patrick Schwarzenegger nega ter traído Miley após fotos comprometedoras”
** “De vestido justinho, Grazi Massafera brilha em evento de beleza”
** “Drew Barrymore dança no meio da rua em viagem a Tóquio”
** “José Loreto confessa: ‘Sou um galã estranho’”
** “Jennifer Aniston diz que nunca cortaria o cabelo bem curtinho”
** “Fernando Zor e Mikelly Medeiros batizam Alice”
** “Christina Aguillera surge morena em Nashville”
** “Maria Casadevall, Viviane Araujo e Isabelle Drummond fazem charminho em evento”
** “Kim Kardashian mostra bumbum”
** “Bárbara Evans planta bananeira e mostra a foto na Internet”
O grande título
Que semana maravilhosa! Temos manchetes de tipos variadíssimos e pouco usuais. Uma delas permite até a metaleitura: embora não trate do assunto, demonstra claramente que: a) o ensino primário pode se chamar fundamental, pode se chamar primário, mas não pode ser chamado de ensino; b) os meios de comunicação estão recrutando profissionais com um quarto cheio de diplomas internacionais, mas esqueceram de pedir que os candidatos à vaga preencham pessoalmente uma ficha de pedido de emprego. Comecemos com este, de um dos maiores portais noticiosos do país, ligado a um dos maiores grupos noticiosos do país:
** “Investigação da PF Lava Jato aponta propina trêz vezes maior do que no mensalão”
O destino, piedoso, permitiu que profissionais como Emir Macedo Nogueira, Eduardo Martins, Napoleão Mendes de Almeida fossem poupados de ler essa frase.
Outra manchete notável consegue, sem ser humorística, despertar o riso. E, simultaneamente, fazer com que retomemos contato com os textos sagrados.
** “Ministros entregam a Renan pacote anticorrupção”
Agora só lhes falta entregar a Herodes o plano nacional de cuidados com a infância.
Um título sugestivo também permite a leitura no subtexto. Traz a informação e, instigante, permite que busquem as causas do evento:
** “Haddad volta a dar aulas na USP após 12 anos”
Demorou. Deve ter ido para a universidade de bicicleta, no meio da buraqueira mal pintada a que chama de ciclovia.
E o grande título, capaz de provocar uma pergunta de difícil resposta:
** “Morena, Angélica diz que perdeu virgindade aos 17”
E loira, com que idade terá acontecido?
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação