Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Deus também chama pelo Facebook

A reunião é em uma capela de Valladolid, na Espanha. Os convidados, elegantemente vestidos, se sentam nos bancos e pegam seus celulares para fotografar a jovem protagonista, Vanessa. Parece o cenário de um casamento. Até os diálogos se parecem: “Veio por vontade própria?” “Sim, venho livremente…” Mas não é. “Então ela vai ficar aqui para sempre?”, pergunta uma criança assustada à sua mãe. A jovem que recebe toda a atenção nesta igreja não é uma noiva; acaba de tornar-se freira de clausura nas carmelitas descalças. E não voltará a sair do convento. Tem 29 anos.

Em 1966, segundo o jornal ABC, havia, na Espanha, 6.695 noviças. Em 1980 eram menos de 750; hoje não chegam a 250. Mas em um momento no qual muitos conventos, habitados por idosas, tiveram que importar freiras de fora para evitar o fechamento, as carmelitas de Valladolid realizam com frequência novas incorporações: em dois anos e meio aumentaram seu elenco de 18 para 30 e reduziram a média de idade da comunidade para menos de 35 anos. O milagre é obra da priora, Olga María, que, em 2012, viajou a Roma para pedir autorização para duas coisas: que meninas jovens pudessem experimentar o que é ser freira de clausura por alguns dias no convento e que fosse permitido fazer divulgação na internet. Das 10 jovens com faixa etária de 20 anos que passaram pela experiência, seis decidiram ficar, contou Beatriz, uma das veteranas. E as Carmelitas de Valladolid têm hoje um site, 8.101 curtidas em sua página no Facebook, 461 seguidores no Twitter, 1.867 inscritos em seu canal no YouTube, um número de Whatsapp para responder dúvidas de meninas e uma conta no Livestream para transmitir ao vivo eventos como a tomada de hábito de Vanessa.

Esta comunidade de freiras de clausura recebe agora duas meninas de 18 anos; uma de 24, ex-boxeadora, que a ponto de entrar para o Exército trocou o quartel pelo convento; uma engenheira que abriu mão de um bom salário para se trancar em um mosteiro aos 30 anos; uma guitarrista que deixou um grupo de heavy metal para cantar Esposa do crucificado… Beatriz ri ao se lembrar da chegada de algumas delas, como a que confessou que tinha se abarrotado de pizza antes de entrar pensando que jamais voltaria a comer isso: “E chegou ao convento e nesse dia, o que havia? Pizza!”

A congregação das Servas de Jesus, composta por freiras que podem sair do convento, entre outras coisas, para cuidar de doentes durante as noites, em Madri, também recorreu à internet para captar membros. “Se as jovens buscam por aí, temos que estar aí. Temos site, Facebook e Twitter”, explicou a religiosa Blanca Alonso, professora de noviças, que deixou a carreira de arquitetura há 23 anos para tornar-se freira.

Como outras 63 congregações religiosas, as Servas de Jesus pagaram uma cota de inscrição de 150 euros (cerca de 511 reais) para colocar anúncios na página www.buscoalgomas.com, na qual uma jovem de calça jeans e blusa de alça explica em uma linguagem coloquial: “É possível que você tenha vocação religiosa, embora não saiba. Não se vá, não saia correndo. Por que não vem comigo conhecer um pouco este mundo…?”

Foi este site que apareceu para Esmeralda, de 22 anos, quando ela escreveu na internet “o que é preciso sentir para ser freira”. “Eu estava estudando biologia, apesar de não gostar da carreira. Acreditava em Deus, mas a missa não significava grande coisa. Jogava basquete, fazia caratê, tinha um namorado…”, explicou já no convento das Servas de Jesus. Mas começou a ir à missa, a retiros, a ter dúvidas. “Comecei a matar aulas para ir rezar; mentia sem parar para o meu pai. Pensei que estava ficando louca e me deu um medo horrível. O conceito que eu tinha das freiras era de mulheres sérias que viviam afastadas do mundo… e então conheci Noemí e a irmã Carmen…”

Sem medo

Noemí é Noemí Sáiz, a jovem de calça jeans que convida as pessoas para conhecerem “o mundo” religioso no site de anúncios. Antes de criar a página, ela esteve dois anos em uma congregação, até que decidiu que não tinha vocação para ser freira e voltou para casa. “A página é como uma imobiliária ou uma agência de contatos. Somos intermediários entre o jovem e a congregação”, explicou. “A maioria têm um déficit vocacional considerável e um dos fatores é o desconhecimento. As instituições religiosas precisam de marketing. A ideia é que os jovens vejam que podem experimentar, que não tem problema”. De 150 meninas que contataram Sáiz através do site, 30 já foram conhecer diferentes congregações.

A outra pessoa chave na decisão de Esmeralda foi Carmen Señor, uma freira que ri sem parar e é “promotora vocacional” das Servas de Jesus. “Meu trabalho é descobrir. Ver quem tem vocação para a vida ativa, para a contemplativa e para a matrimonial”, explicou. “Hoje ninguém vem ao convento, portanto é preciso sair. Estar no Twitter, no Facebook…”

Esmeralda completou 23 anos nesse convento, onde há mais meninas jovens, como Arantxa, de 26, que conheceu as servas de Jesus ao ir incomodá-las em uma noite de bebedeira com os amigos. “Tocamos a campainha, saiu uma freira e então me apresentaram à irmã Carmen… Na época eu estava em mundos muito complicados, de drogas. Aqui encontrei tranquilidade.” Algumas religiosas contaram inclusive com a ajuda de um especialista em posicionamento no Google para aparecer nas primeiras posições quando alguém tecla, por exemplo “como ser freira”. Tudo surgiu de uma visita que Antonio González fez a sua tia, freira enclausurada em Segóvia. “Ela me disse que tinham poucas novas vocações e lhe propus gravar um vídeo para que mais gente a conhecesse.” Teve 73.934 visitas e a tia de González se converteu na madre YouTube. O especialista também criou para ela um blog ao qual “cerca de 200 mulheres por ano” escrevem pedindo para se tornar freiras, ainda que quase todas foram depois de passar um tempo em um convento.

“Não fuja da raia, não tenha medo…”, diz Sáiz no último vídeo postado no site Busco Algo Más, que teve quase 43.000 visitas em três anos, 10.000 a mais do que o número de religiosas na Espanha, sem contar as 245 preciosas noviças.

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“É muito difícil aceitar. Minha filha não viveu nada ainda!”

“A incompreensão da sociedade está aí, como um leão rugindo em busca de alguém para devorar (…) Agora nos dizem de vez em quando: ‘São uma seita’. Pelo menos é uma seita onde não enfrento problemas. Não tente explicar porque não vão te entender.” O sacerdote se dirige a Vanessa, de 29 anos, que acaba de entrar nas Carmelitas descalças de Valladolid, e a quem não compreende essas jovens que abandonaram namorados, trabalhos e salários para entrar em um convento de clausura. Alguns estão na frente dele: são os pais desconcertados de várias dessas meninas.

A cerimônia de Vanessa para receber o hábito oferece aos familiares de suas jovens companheiras – duas têm apenas 18 anos – uma das poucas oportunidades de vê-las, o que nenhum pai quis deixar de aproveitar. Um deles pede que seja fotografado com suas duas filhas. A pequena, de cerca de 13 anos, e ele, têm os olhos vermelhos de chorar. Só a jovem postulante a freira, com a túnica marrom prévia ao hábito, sorri para a foto.

Uma mãe que pede para não ser identificada acredita que sua filha foi “cooptada pelo Facebook”. “O carisma da prioresa é impressionante. Conseguiu encher o convento de meninas bem novas, nessa idade em que têm problemas com os meninos, com os estudos… E é muito difícil. Pensar que minha filha vai ficar fechada até morrer. E não viveu nada!”

“É difícil para as famílias entenderem”, admite a prioresa Olga María. “As pessoas têm a ideia de um convento como um lugar para pessoas mais velhas, o castelo de Drácula… mas quando veem que suas filhas estão felizes se liberam de muitos preconceitos”. O site carmelitasvalladolid.es é uma tentativa forte de mudar essa imagem. Entre outras coisas, oferece uma galeria de fotos que mostram, por exemplo, uma noviça sorridente no jardim ou três jovens freiras em cima de uma árvore.

Carmen Señor, promotora vocacional das Servas de Jesus, em Madri, relembra que há anos ter uma freira ou um padre na família dava “certo prestígio”. “Hoje os familiares das jovens que querem ser religiosas fazem guerras psicológicas terríveis. Procuram namorados, mandam para o exterior, fazem o possível para afastá-las. Somos vistas como bichos raros.”

O pai de Esmeralda, de 23 anos, a colocou para fora de casa quando disse que queria ser freira. “Meu irmão me pediu chorando de joelhos que eu não fosse; que seu sonho era que seus filhos brincassem com os meus. Foi o pior momento de minha vida”, lembra. “Mas com o tempo tudo foi se resolvendo porque veem que estou radiante, feliz.”

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Natalia Junquera, do El País, em Valladolid (Espanha)