No começo houve empolgação com as novas e imensas possibilidades editoriais e jornalísticas e com um sistema integrado ágil e prático. As preocupações, no entanto, foram surgindo aos poucos, como seria de esperar, principalmente em relação ao novo método de trabalho e à nova maneira de se produzir conteúdo e divulgá-lo. Até que ponto conseguiríamos absorver a mudança completa na forma de enxergar a notícia – e até que ponto conseguiríamos viver “sem o fechamento”?
O “Diário da Região”, de São José do Rio Preto (SP), hoje seguramente um dos cinco principais jornais do Estado de São Paulo fora da capital, decidiu apostar na integração total de suas redações e avançar em direção ao jornalismo digital, ainda que sua edição impressa tenha um prestígio espantoso na região (abrange 100 cidades do Noroeste Paulista).
As diversas formas de integração entre os ambientes noticiosos se tornaram assunto prioritário nos congressos da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e da APJ (Associação Paulista de Jornais) e, para a direção do Grupo Diário da Região, ficou clara a necessidade de preparar as bases para a mudança de procedimentos e da forma de produzir conteúdo, ainda mais depois que os acessos ao portal de internet da empresa (http://www.diariodaregiao.com.br/) explodiram nos anos recentes.
O pontapé para as mudanças ocorre no segundo semestre de 2013 com a decisão de modernizar o sistema operacional de edição de textos, agregando uma ferramenta que facilitasse o trabalho nos ambientes digital e de processamento de textos para a edição impressa. O sistema editorial Hermes ganhou a companhia do Polopoly, que permite a distribuição imediata dos textos para o jornal e para a o portal de internet, já com foto e vídeos agregados.
Treinamento
Foram quase 18 meses de trabalho duro e intenso para modernizar o sistema Hermes e implantar, com sucesso, o Polopoly. Enquanto isso, durante seis meses, os jornalistas foram preparados, com variados graus de treinamento, para a estreia, em 19 de março de 2015, data do aniversário da cidade de São José do Rio Preto.
O maior desafio era inocular nas mentes acostumadas com fechamento da edição de papel, tarde da noite, a noção dos vários fechamentos diários – ou nenhum fechamento, como preferir, já que a notícia passou a ser considerada produto para consumo imediato: apurada e escrita, ainda que parcialmente, vai ao ar no portal de internet, para ser atualizada ou completada posteriormente. Para o papel, no dia seguinte, o texto atualizado e completado serviria de base, mas teria de ter, na medida do possível, um enfoque diferente, um lide que pudesse avançar em relação ao que foi publicado no portal.
Com a nova dinâmica de trabalho, veio a mudança na maneira de encarar o dia a dia. Os editores não mais finalizam a edição, à noite. Passam a planejar o conteúdo, e não mais a edição em si. Precisam entrar mais cedo, de preferência pela manhã, onde a primeira reunião de pauta, de abertura, na verdade serve como o farol para a produção de notícias que vai nortear o portal durante todo o dia. Isso inclui a definição das várias manchetes de cada editoria e a do portal.
O núcleo de internet, antes uma “editoria” responsável por todo o site, agora passa a trabalhar na coordenação da home page e da produção de conteúdo próprio, sem depender da pauta das editorias. Cada editoria passa a cuidar de sua página no portal, o que implica que todos os integrantes tenham de trabalhar na internet.
A reunião das 14h30
A reunião mais importante do dia passa a ser a das 14h30, quando se discute o que foi produzido até agora e que deverá ser realizado no restante do dia, com a definição das manchetes internas e do portal para as próximas horas. O esboço da edição impressa toma forma, mas ainda a reboque da produção destinada ao portal.
Às 17h30, com a checagem da produção de conteúdo, repassada de forma rápida, a primeira página do jornal é definida, assim como as alterações na home page do portal. A finalização dos trabalhos é feita por subeditores, que também acompanharam todo o processo à tarde.
O treinamento e as palestras sobre as novas dinâmicas de trabalho e de procedimentos foram muito importantes, mas o trabalho seria muito mais árduo se não houvesse o engajamento de todos os jornalistas com as novidades.
No começo, muitos ficaram eufóricos com as possibilidades escancaradas em temos de produção, mas em seguida veio a preocupação a respeito da adaptação aos novos paradigmas. Editor entrando de manhã? Escrever flashes diretamente no processador de texto pelo celular? Repórteres e fotógrafos tendo de gravar vídeos, aprendendo a “cortar” fotos e a editar imagens? Resumindo: trabalhar muito mais?
Foi só após a implantação do novo sistema de trabalho que as preocupações começaram a dar lugar a uma inquietação e, em seguida, a uma curiosidade imediata. Repórteres perceberam que ser multimídia era desafiador, mas não necessariamente algo muito complicado. Muitos voltaram a ter uma relação de urgência com a notícia, ainda que sejam de áreas onde os assuntos talvez sejam “menos quentes”, como economia e cultura/variedades.
Atualização constante
Ninguém trabalha mais do que as sete horas determinadas pela convenção coletiva. Ninguém faz mais do que normalmente é exigido. No entanto, as necessidades mudaram. O portal “Diário da Região” está mais ágil e mais vibrante, com atualização constante durante quase todo o dia.
E os jornalistas perceberam rapidamente quais são as novas necessidades – e gostaram das novidades. Os fotógrafos continuam sendo fundamentais, assim como os videomakers, mas a possibilidade de emplacar um vídeo ou foto de um flagrante importante, ainda que com menos qualidade do que o habitual, tornou o serviço mais instigante, além de exigente. De uma hora para outra, novas habilidades foram requeridas e o profissional está aprendendo a lidar com elas – e, novamente, gostando da novidade.
As mudanças no “Diário da Região” ainda são bem recentes e o impacto dos novos procedimentos e da nova dinâmica de trabalho precisa ser melhor avaliado. Entretanto, o começo de uma nova etapa profissional na vida das mais de 50 pessoas envolvidas na produção de conteúdo foi o melhor possível, com o engajamento esperado e a vontade de aprender e fazer dar certo, ainda que as preocupações e as ressalvas não tenham sido dissipadas totalmente – e nem poderia ser diferente. Pode dar certo e está dando certo.
O projeto não é inédito, mas é ambicioso, ousado e inovador. Mesmo com pouco tempo para avaliação, mostra ser uma alternativa bem sólida para produzir conteúdo de forma dinâmica, envolvendo todos os jornalistas, independentemente do ambiente de sua publicação.
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Marcelo Moreira é editor-executivo do Diário da Região (São José do Rio Preto, SP)