A Rádio Nacional do Rio de Janeiro acabou. A maior emissora da América Latina nos anos 40/50, aquela que precisou ser atacada por tropas militares em 1964 para que o golpe se consolidasse, responsável pela integração cultural e esportiva do Brasil, está morta. É verdade que a rádio ainda está no ar, mas um veículo de comunicação não morre apenas quando sai do ar ou deixa de ser impresso. Ele morre quando deixa de ter repercussão. E o triste é que isso aconteça num período de governo mais progressista, mas que não enxerga um palmo na área de comunicação.
Este texto foi escrito a pedido de amigos, já que trabalhei na Rádio Nacional por 10 anos (de 2004 a 2014), que ainda estão lá e alguns ouvintes que não se conformam que um patrimônio do País seja esquecido. A Rádio Nacional sofreu muitos golpes desde 1964, mas morre exatamente nas mãos de um governo que tinha a obrigação de defender e utilizar democraticamente a emissora. Nos últimos meses a crise se agravou a ponto da emissora ficar fora do ar durante o carnaval e, agora, reduzida a um vitrolão porque nenhum programa ao vivo pode ser feito porque o ar condicionado do prédio da TV Brasil não funciona (e estava precário desde dezembro).
Em 2004, o ex-presidente Lula reinaugurou o tradicional auditório no edifício A Noite, na Praça Mauá, assim como novos estúdios e um transmissor mais potente. Parecia que o governo entenderia a necessidade de uma rede estatal de rádios unificada. Como pode uma capital brasileira não ter uma emissora que preste contas do que o governo faz ou que valorize a cultura nacional? Vá a Portugal, Espanha, França, Argentina e veja se a rádio estatal não chega a todos os cantos?
Mas o esforço da direção no Rio não tinha correspondência em Brasília. Mesmo assim, em poucos meses, a emissora chegou ao quinto lugar no AM e em alguns horários ao terceiro e quarto lugares. Vale lembrar que em 2004/2005, Globo, Tupi e CBN eram apenas AM e não existia a Band News. Portanto, o AM no Rio de Janeiro ainda tinha relevância na área popular.
Solução jurídica
Logo se viu que a comunicação do governo era ruim e a Radiobras, com sede em Brasília, era dirigida por experimentalistas. O projeto foi esvaziado. Mas o desastre final seria a criação da EBC – Empresa Brasil de Comunicação. Surgida para unificar as emissoras do governo, matou a Acerp – que geria as Rádios MEC AM e FM e a TVE – e tinha alguma flexibilidade administrativa, e se transformou num enorme cabide para cargos de gestores, muitos concursados que não gostam de comunicação e uma direção que vive de ler relatórios.
O resultado é que a Rádio Nacional saiu de sua sede histórica (assim como a Rádio MEC teve o seu prédio fechado), foi jogada em estúdios improvisados da TV Brasil, perdeu profissionais e os poucos bons que ficaram estão abandonados. A emissora hoje é zero de audiência. Não serve para absolutamente nada porque não tem ouvintes, mas os relatórios sobre grandes feitos continuam a ser escritos para a leitura de Brasília. Aliás, pergunte a alguém da direção da EBC se sabe o que vai ao ar? Nesse caso não é preciso dizer que o jornalismo de uma emissora estatal de um governo cercado pela mídia repete textos dos jornais da grande imprensa. Pelo menos ninguém ouve.
A comunicação do governo Lula era ruim, nada ousada. Mas a de Dilma é um desastre amador, mas que serve como cabide de emprego. A Rádio Nacional integrou o Brasil de Norte a Sul numa época definidora do caráter único de nosso território, a primeira metade do século passado. Mas o mais importante é que um veículo desses, modernizado, na frequência FM, integrado às mídias sociais, ainda é fundamental como voz de resistência cultural e política. Que alguém entenda isso e tire a emissora da EBC, exerça o poder de colocar uma faixa de transmissão em cada capital e dê uma solução jurídica que permita a montagem de uma rede com profissionais que entendam a dimensão dessa empreitada. Só assim a Rádio Nacional poderá ressuscitar.
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Marco Antonio Monteiro é jornalista desde 1985, trabalhou na Rádio JB, foi assessor de Imprensa do vice-prefeito do Rio entre 86/88; editor do programa Panorama Brasil, do Jornal da CBN Rio e entre 1994 e 2000 gerente de jornalismo do Sistema Globo de Rádio no Rio. Entre 2004 e 2014 apresentou e editou os programas Notícias da Manhã e Repórter Rio, na Rádio Nacional