Diretora-adjunta do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, Marina Walker Guevara, argentina que mora nos EUA, diz ser relevante divulgação de dados de correntistas com papel ativo na vida social ou política dos países; caso é conhecido como SwissLeaks.
‘HSBC falhou em seu controle de qualidade’
O que é e quando surgiu o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês)?
Marina Walker Guevara– O ICIJ é uma entidade sem fins lucrativos que surgiu nos Estados Unidos em 1997 para reunir jornalistas que trabalhavam isoladamente assuntos de interesse global, como o fluxo ilícito de dinheiro. Acreditamos que esses são temas que não podem ser tratados sob uma ótica nacionalista porque têm ramificações. Então nos reunimos. De lá para cá, já fizemos reportagens de grande impacto sobre empresas de tabaco e sobre contratos fechados pelos Estados Unidos no Iraque. Agora são os paraísos fiscais.
É a vez do SwissLeaks?
M.W.G. – O SwissLeaks é o terceiro capítulo de uma trilogia. O primeiro foi o OffshoreLeaks, que nos permitiu saber mais sobre cerca de 100 mil empresas abertas em paraísos fiscais e sobre como políticos e celebridades escondiam dinheiro nelas. O segundo capítulo foi focado nas grandes corporações multinacionais e em como muitas delas conseguiram evadir impostos. Falamos de Pepsi, Disney e Ikea, por exemplo. Agora trabalhamos com aqueles que possibilitam isso tudo: os bancos
O foco então é no HSBC suíço e não em seus correntistas?
M.W.G. – Sem dúvida. O HSBC é um dos maiores bancos do mundo e falhou em seu controle de qualidade. Deveria ter se preocupado em saber sobre seus clientes, em buscar informações sobre a origem dos valores que guardava e em não ser usado para lavar dinheiro. É um fato tão claro que essa barreira de controle falhou que, por iniciativa própria, o HSBC veio à público dizer fez uma “limpeza” na carteira de clientes de 2006/2007 e que seu braço em Genebra abriu mão de 70% dos correntistas.
Mas as reportagens publicadas costumam trazer nomes.
M.W.G. – O SwissLeaks já rendeu centenas de reportagens. São mais de 160 jornalistas, em 65 veículos de comunicação, espalhados por 55 países escrevendo sobre isso. Muitos revelam nomes porque isso torna a história mais local. Mas também há outra razão para publicarmos nomes. Há, de fato, interesse público em saber sobre contas no HSBC de empresários, políticos e pessoas que se envolveram em escândalos.
O que deve ser considerado como sendo de interesse público?
M.W.G. – Informações que, apesar de serem de caráter privado, de origem bancária, disserem respeito a pessoas públicas, a cidadãos que têm um papel ativo na vida social ou política de um país. Não interessa revelar a conta secreta de pessoas comuns, que são irrelevantes e não influenciam no destino do país nem na opinião.
Por que não divulgar a lista completa de correntistas secretos do HSBC?
M.W.G. – Divulgar a lista toda não seria fazer jornalismo. O trabalho do repórter é justamente pegar essa base de dados e aplicar sobre ela critérios de interesse público, avaliando que pessoas devem entrar em reportagens e que pessoas não precisam ser expostas. O mais importante é entender o que chamamos de esquemas sistêmicos. Nós do ICIJ estamos interessados em saber como traficantes de drogas e vendedores de diamantes usavam o banco, por exemplo.
Como avalia a atuação dos governos até agora?
M.W.G. – Há ainda muitas dúvidas sobre a atuação deles. Por que o Reino Unido só agiu contra uma pessoa? Por que outros países se movem de forma mais lenta? É claro que há cumplicidade, mas também há a agenda política de cada lugar. Na Europa o assunto está quente porque o debate tributário está em pauta.
O que esperar dos governos?
M.W.G. – Vamos ver se eles são oportunistas fiscais, que agem só porque há um dinheiro grande a ser recuperado, ou se estão dispostos a repensar estruturas e criar novos acordos.
Podemos confiar na base de dados que foi vazada?
M.W.G. – Não encontramos nada que indique que foi manipulada. Nem todas as pessoas que aparecem ali foram à Suíça abrir contas. Há quem tenha sido agregado por familiares sem saber. Há quem tenha investido em fundos que reinvestiram na Suíça, e há quem tenha sido cliente de bancos comprados pelo HSBC. Encontramos muitos casos que não estavam em ordem (contas mantidas ilegalmente) e que há processos abertos em diferentes países. Para nós, isso é sinal claro de que havia mesmo muito o que questionar ali.
No exterior, US$ 1,3 bilhão já recuperado
Desde 2010, quando as autoridades francesas passaram a dividir com outros países as planilhas que o ex-técnico de informática do HSBC Hervé Falciani havia vazado do banco dois anos antes, aproximadamente US$ 1,36 bilhão já foi recuperado na forma de impostos sonegados e multas. A cifra equivale, por exemplo, ao PIB das Ilhas Cayman, segundo dados do Banco Mundial.
A Bélgica, que tem 11 milhões de habitantes, está em primeiro lugar no ranking dos países que mais conseguiram repatriar valores —até agora, US$ 490 milhões. O país é o décimo no ranking dos valores depositados por seus habitantes nas contas secretas entre 2006 e 2007. Num trabalho que se estende por quatro anos, os belgas conseguiram repatriar 7,8% do que havia sido depositado na Suíça. Determinaram o pagamento de impostos sonegados e aplicaram multas aos correntistas que não declararam a posse dos valores.
A Espanha está em segundo lugar na lista de valores recuperados, tendo repatriado US$ 298 milhões. Percentualmente, é o país que teve melhor desempenho até agora, 13% do que seus cidadão mantinham no HSBC.
Em terceiro lugar está a França (US$ 286 milhões). Por lá, além do foco na recuperação do dinheiro sonegado, as autoridades também se dedicaram à responsabilização de dirigentes do HSBC. A principal acusação foi a de que a filial do banco na Suíça oferecia aos franceses produtos que permitiam burlar o Fisco — prática denunciada pelo jornal “Le Monde”. As investigações terminaram em fevereiro, e a Receita de lá tem até maio para definir as medidas jurídicas que serão adotadas para tentar punir os dirigentes da instituição financeira.
No quarto lugar da lista dos países que mais conseguiram recuperar dinheiro, aparece o Reino Unido (US$ 205 milhões), a divulgação do SwissLeaks causou polêmica pela falta de reação das autoridades. A justificativa do poder público foi a dificuldade de acessar dados completos. Stephen Green, ministro do Comércio até 2013, saiu desgastado por ter ocupado um alto cargo no HSBC.
Na América do Sul, a Argentina saiu na frente. Desde setembro analisa seus dados. O Brasil solicitou a lista a autoridades europeias. PF, Coaf e Receita abriram investigações.
******
Participam da série sobre o SwissLeaks Chico Otavio, Cristina Tardáguila e Ruben Berta, do Globo, e Fernando Rodrigues e Bruno Lupion, do UOL. Desde 8 de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (www.icij.org) publica reportagens com base em planilhas vazadas por um ex-técnico de informática do HSBC. No Brasil, a apuração é realizada com exclusividade pelo O Globo e pelo UOL.