A Casa Branca anunciou o cancelamento de uma regulação federal que subordina o seu Gabinete de Administração à Lei de Liberdade de Informação (Freedom of Information Act – FOIA), tornando oficial a política adotada pelos presidentes George Bush e Barack Obama de recusarem pedidos de documentos e dados do órgão. O Gabinete de Administração é encarregado, entre outras coisas, de arquivar os e-mails da Casa Branca. A decisão seria consistente com a posição de juízes que, em diversas ocasiões, determinaram que o departamento não está sujeito à lei de transparência.
Teoricamente, a Lei de Liberdade de Informação deveria dar ao público acesso a informações sobre o governo. Na prática, aparentemente, não é bem assim. Uma recente matéria publicada pela agência Associated Press sugere que o público vem enfrentando obstáculos cada vez maiores para acessar informações por meio da lei. Embora o número de requisições de informação nunca tenha sido tão grande – 700 mil, apenas em 2014 –, o atual governo vem recusando pedidos, censurando respostas e, de maneira geral, dificultando o acesso a níveis sem precedentes.
O momento escolhido para anunciar a medida causou espanto entre as pessoas que defendem a transparência de órgãos públicos, uma vez que ocorreu em meio um debate nacional sobre a manutenção dos registros do governo Obama, no Dia Nacional da Liberdade de Informação, e também durante a Semana da Luz do Sol, um esforço empreendido por organizações jornalísticas e grupos de vigilância para enfatizar questões de transparência governamental. “A ironia de que isto tenha ocorrido na Semana da Luz do Sol não é gratuita”, diz Anne Weismann, do grupo Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington [Crew, na sigla em inglês]. “Fica completamente fora de sintonia com os supostos compromissos com a transparência do presidente”, afirma. “Aquele gabinete é crítico, principalmente se você quiser saber, por exemplo, como a Casa Branca trata dos e-mails que recebe.”
22 milhões de e-mails apagados
A Associated Press ressalta que as agências governamentais cobram taxas exorbitantes e levam um tempo excessivamente longo para responder a quem requisita documentos, negando-se a acelerar o processo e tornando inadequadas decisões prévias de reter ou censurar registros – decisões que são frequentemente derrubadas por meio de ações judiciais – e fornecendo respostas, em grande parte, incompletas. O governo, por sua vez, cortou 10% dos funcionários que respondiam aos pedidos de informação e gastou 28 milhões de dólares com a remuneração de advogados para manter os registros secretos.
Ao contrário de outros departamentos que existem dentro da Casa Branca e sempre foram isentos da Lei de Liberdade de Informação, o Gabinete da Administração respondeu a pedidos feitos pela lei durante 30 anos. Até o governo Obama, grupos de vigilância, de esquerda e de direita, usaram os arquivos registrados no Gabinete para esclarecer como funciona a Casa Branca. “Este é um departamento que funcionou sujeito à Lei de Acesso à Informação por 30 anos e, quando se tornou politicamente inconveniente, eles decidiram que não era mais sujeito àquela lei”, resume Tom Fitton, da organização conservadora Judicial Watch.
Para a organização Human Rights Watch, a Lei de Liberdade de Informação fornece uma ferramenta fundamental para ajudar a documentar potenciais abusos de direitos por agências norte-americanas. Ao aprovar a Lei de Liberdade de Informação, os Estados Unidos reconheciam que a transparência, a responsabilidade e um governo democrático estão intrinsecamente ligados. A decisão do governo Obama sobre o Gabinete de Administração sugere pouco interesse na manutenção destes valores.
No final do governo Bush, a organização Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington [Crew] entrou com um processo contra e-mails apagados pela Casa Branca – consta que cerca de 22 milhões. De início, a Casa Branca começou por respeitar a solicitação, mas depois mudou de curso. “O governo argumentou, num esforço para jogar tudo para a ação judicial, com o objetivo de por fim ao arquivamento de e-mails da Casa Branca”, lembra Tom Blanton, diretor do Arquivo de Segurança Nacional na Universidade George Washington, que utilizou pedidos de informação semelhantes para jogar luz sobre decisões de política externa.
Quem cria o registro decide se é oficial ou não
Em 2009, um tribunal federal de recursos de Washington determinou que o Gabinete de Administração não era sujeito à Lei de Liberdade de Informação “porque desempenha apenas tarefas operacionais e administrativas em apoio ao presidente e sua equipe e, portanto, a partir deste precedente, não possui autoridade independente significativa”. O tribunal determinou ainda que a Casa Branca deveria arquivar os e-mails, mas não divulgá-los de acordo com a lei. Ao invés disso, os e-mails deveriam ser divulgados em obediência à Lei de Arquivos Presidenciais – mas não antes do prazo de cinco anos após o término do governo.
Numa nota publicada no Diário Oficial em 17 de março, a Casa Branca diz que está cancelando as regulações sobre como o Gabinete de Administração deve cumprir pedidos a partir da Lei de Liberdade de Informação com base em “interpretações legais solidamente estabelecidas”. A mudança de regras significa que deixará de existir um processo formal para que o público solicite que a Casa Branca divulgue voluntariamente registros como parte daquilo que é conhecido como “divulgação discricionária”. Os registros voluntariamente divulgados pelo Gabinete de Administração incluem os formulários referentes a visitantes e a receita da cerveja fabricada na Casa Branca. “Você tem um presidente que chega e diz ‘Comprometo-me com a transparência e as agências devem fazer divulgações discricionárias sempre que possível’, mas não o faz quando isso se aplica à sua Casa Branca”, diz Anne Weismann.
A Casa Branca não explicou por que motivo esperou quase seis anos para reconhecer formalmente a determinação do tribunal em relação às regulações da lei.
Tom Blanton diz que a regulação desatualizada é parte de um problema maior: a maioria das agências federais não atualizou suas normas de modo a levar em consideração as mudanças na lei, muitas das quais beneficiam as pessoas que solicitam informações. Brandi Hoffine, porta-voz da Casa Branca, disse que o governo continua comprometido “a trabalhar por uma abertura sem precedentes”. “Nos últimos seis anos”, disse ela, “as agências federais desenvolveram grandes esforços para tornar o governo mais transparente e mais acessível do que nunca, inclusive tornando mais informações disponíveis ao público através da iniciativa Governo Aberto [Open Government, na sigla em inglês].”
Na nota divulgada em 17 de março, a Casa Branca disse que não permitiria comentários públicos por 30 dias; portanto, a decisão é definitiva. “Parece um pouco desastrado fazer isso na Semana da Luz do Sol, mesmo se é o caso de eliminar supérfluos administrativos”, diz Rick Blum, coordenador do projeto Luz do Sol na iniciativa governamental para a organização Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa.
A questão principal, afirma Blum, é que o Gabinete de Administração é responsável pela manutenção de arquivos presidenciais. Considerando a controvérsia em torno do uso feito pela ex-secretária de Estado Hillary Clinton de uma conta de e-mail particular para conduzir assuntos oficiais, deveria haver um exame mais aprofundado das práticas de manutenção de arquivos. “Acho que o que aprendemos nas últimas semanas foi que a pessoa que cria um registro – seja ele na redação de um programa ou escrevendo um e-mail – é quem deve decidir se o registro é oficial ou não”, diz. “E deveriam haver outros olhares voltados para isso. Esse é o problema fundamental.”
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