Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O estranho caso do magnata Robert Durst

Foi um momento daqueles de deixar o espectador de boca aberta, do nível do “casamento vermelho” de Game of Thrones ou da morte de Beth em The Walking Dead, quando Robert Durst disse, ao final do último episódio de The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst: “Que diabos eu fiz? Matei todos, claro”. Mais forte ainda porque Durst, que disse a frase enquanto estava no banheiro, talvez sem saber que seu microfone ainda estava ligado, não é um personagem saído da cabeça do diretor da série da HBO Andrew Jarecki, mas um homem de 71 anos, vindo de uma família bilionária, dona de alguns dos edifícios comerciais mais nobres de Manhattan, e suspeito de três assassinatos.

O episódio final foi exibido no domingo (15) nos Estados Unidos, mostrando novas evidências de uma possível ligação com a morte de sua amiga e confidente Susan Berman, em Los Angeles, em 2000 – ele também é suspeito do desaparecimento de sua primeira mulher, Kathie, em 1982, e assassino de seu vizinho Morris Black, em 2001, em que alegou legítima defesa. Durst foi preso em Nova Orleans um dia antes da exibição do capítulo final do seriado, que a HBO ainda não tem previsão de exibição no Brasil.

Em janeiro, numa rodada de entrevistas para a imprensa internacional, Jarecki não quis dizer se achava que Robert Durst era culpado dos crimes. “Quero que o público tenha a mesma experiência que eu tive. Mas, assistindo, você vai saber o que aconteceu.” O cineasta cancelou entrevistas previamente agendadas depois da prisão de Durst, e a coincidência entre a prisão e a data do encerramento da série deixou muita gente em dúvida sobre a colaboração dos produtores de The Jinx com a polícia. A seguir, os principais trechos da entrevista de Andrew Jarecki:

Você tinha feito um longa de ficção, Entre Segredos e Mentiras, estrelado pelo Ryan Gosling, sobre Robert Durst. O que o fascinou nesta história?

Andrew Jarecki – Tenho interesse em histórias de monstros. Toda vez que ouço: “Esta pessoa é louca, capaz de qualquer coisa!”, sempre penso que há um ser humano ali que pode ser compreendido, com quem você pode aprender algo. Fora que cresci em circunstâncias similares, vim de uma família rica, vivia no condado de Westchester, perto da cidade onde Bob morava. Filmamos a morte da mãe de Bob na casa onde cresci, era uma casa muito parecida. Era uma história famosa quando eu era mais novo porque era alguém de uma família rica.

Quando recebeu a ligação de Robert Durst, perto da estreia do filme, o que sentiu?

A.J. – Não fiquei inteiramente chocado. Porque quando fizemos Entre Segredos e Mentiras, disse para meu sócio: “Quero fazer um filme que Robert Durst possa assistir e ter uma reação emocional”. E acho que ele teve. Quando me ligou, me disse: “Eu vi o filme e gostei muito. Chorei três vezes e acho que devemos conversar”.

Um documentarista sempre procura a verdade, mas existem muitos lados numa história. Quais foram seus principais desafios ao escolher o que mostrar para não apresentar explicitamente suas conclusões?

A.J. – O público quer ter sua própria jornada. E essa história tinha muitas reviravoltas, então, queríamos reproduzir para a audiência a experiência que tivemos ao fazer as descobertas. Para a gente, o projeto começou como um documentário de longa­metragem baseado num longa­metragem de ficção. Só que, quando começamos o processo, vimos que não dava para serem duas horas apenas.

Sua relação com Robert Durst mudou a maneira como encarou o documentário?

A.J. – Eu o achei muito aberto, e isso foi surpreendente. Ao longo dos anos, as pessoas me perguntavam: “Ele sabe o que você está fazendo?”. O filme foi ideia dele! Bob sabe sua história, o que é verdade e o que é mentira, o que fez e o que não fez. E escolheu me ligar! Primeiro, ele me testou. Quis assistir ao filme Entre Segredos e Mentiras. Viu, me ligou, disse que gostou. O filme não esconde os crimes pelos quais ele foi acusado. Mesmo sabendo disso, ainda quis contar sua história. Ninguém quer morrer sem contar sua história. Ele tem 71 anos de idade agora. Quer expressar quem é.

É difícil não julgar os personagens neste caso?

A.J. – Muita gente já julgou esses personagens. Para mim, é uma chance de dar uma segunda olhada, à luz do dia, quando as paixões já arrefeceram por causa do tempo. Agora podemos entender melhor. De primeira, nunca dá para entender o que acontece, o foco é num crime específico. Aqui são assassinatos múltiplos ao longo de 30 anos. Cada um deles precisa ser entendido para compreender quem ele é. Nem estou falando se ele é culpado ou não, mas de compreensão da pessoa, de sentir empatia por ele ou não. E pode ser tudo verdade: você pode sair achando que ele é culpado e, ao mesmo tempo, uma pessoa interessante, inteligente, charmosa, até engraçada. É isso que me interessa: essa complexidade de enxergar uma pessoa que pode ter feito coisas terríveis e, ainda assim, ser alguém com quem é possível se identificar e compreender.

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Mariane Morisawa, para o Estado de S.Paulo