Os jornais destacam, na terça-feira (24/3), a decisão da agência de avaliação de riscos Standard&Poors de manter a nota de grau de investimento do Brasil, com perspectiva estável. A decisão equivale a considerar que o país é bom pagador e que as dificuldades econômicas serão superadas a tempo de evitar que o desgaste das contas públicas afete a capacidade da economia nacional de atrair investimentos estrangeiros.
Há muitos aspectos a serem observados nessa notícia, sendo um dos mais interessantes o fato de que os grupos políticos que antes da eleição pediam mudanças em alguns aspectos do modelo econômico agora se calam. (Ver, sobre esse assunto, artigo de Alberto Dines, aqui).
A imprensa, de modo geral, deu suporte a essas reclamações, durante a campanha eleitoral, oferecendo espaços generosos para os defensores de um ajuste fiscal radical. Portanto, era de se esperar que os jornais citassem aquelas reivindicações para ajudar o leitor a formar uma opinião sobre a situação presente.
Acontece que o caso não é assim tão simples.
A avaliação da agência de risco considera que as medidas propostas pelo governo serão aprovadas pelo Congresso, mesmo sob a turbulência das denúncias na Operação Lava Jato, que ameaçam atingir os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
O raciocínio dos técnicos que elaboram essas avaliações leva em conta que os grandes sistemas funcionam, no longo prazo, no sentido de seus interesses – e o sistema político é balizado pela economia. Assim, se o sistema do Congresso entender que a permanência de Cunha e Renan pode significar a secura das tetas da vaca-Estado, sacrificam-se os sacerdotes para salvar o templo.
O relatório assinado pela analista Lisa M. Schineller, de Nova York, afirma que “a correção política desafiadora atualmente em curso vai continuar obtendo o suporte da presidente Dilma Rousseff e, em última instância, o do Congresso, assim restaurando gradualmente a credibilidade política perdida e abrindo caminho para perspectivas de crescimento mais fortes no próximo ano e adiante”.
Água na fervura
Já se disse neste espaço que, para entender a realidade, é preciso ir à fonte original. Por isso é interessante acessar o site da Standard&Poors (ver aqui).
Os jornais não reproduzem os principais trechos da análise, o que ajudaria o leitor a perceber que há um grande exagero no noticiário sobre a crise econômica. O relatório também esclarece que boa parte dos problemas econômicos tem origem ou é influenciada pelo noticiário sobre corrupção na Petrobras – e oferece uma visão completamente oposta à abordagem escandalosa e pouco informativa feita pela imprensa brasileira.
Para a Standard&Poors, “a investigação na Petrobras, seus fornecedores e políticos envolvidos, salienta a força da estrutura institucional do Brasil, que inclui uma fiscalização independente”.
Por que a imprensa fica apenas no enunciado da decisão da agência – que, apesar de ter errado feio antes da crise financeira dos Estados Unidos, em 2008, é altamente considerada pelos investidores? Porque a análise favorece o governo brasileiro, mostra otimismo quanto às perspectivas de superar as dificuldades no curto prazo e projeta a retomada do crescimento já para 2016, desmentindo o que vem sendo alardeado pela maioria dos articulistas com espaço na mídia tradicional. Não se pode esconder que muitos desses analistas já vinham falando em “década perdida”.
Registre-se, por exemplo, o que diz o relatório sobre o caso da Petrobras: “O fato (de) que o sistema está investigando as ações de indivíduos poderosos, tanto no setor privado quanto público, é um testemunho da força institucional dessa jovem democracia”. Em seguida, o texto se refere à necessidade de que o “estável sistema político” demonstre que pode obter um consenso para a reforma do setor público ou para simplificar a maneira como se faz negócios no Brasil.
O cenário é, portanto, menos pessimista do que a imprensa faz acreditar, e coloca as forças econômicas na posição de ter que pressionar o Congresso por uma resposta rápida às propostas do Executivo. Por outro lado, é preciso também ouvir as outras forças em jogo – as massas de assalariados que não aceitam cortes nos direitos trabalhistas.
A manutenção do grau de investimento do país joga um balde de água fria na crise alimentada pela mídia e recoloca em termos mais racionais o debate sobre como reconciliar o Brasil consigo mesmo.