Wednesday, 11 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Uma nova agenda política

O noticiário de quinta-feira (26/3) induz o leitor a pensar que a crise política se agravou nos últimos dias e que a presidente Dilma Rousseff se encontra de mãos atadas diante da dupla de dirigentes do Congresso Nacional. No entanto, há mais de uma maneira de se ler um jornal. Um pouco mais de cuidado na contextualização das notícias, entrevistas e artigos opinativos permite observar que ocorreu uma mudança sutil na agenda pública, aquele conjunto de temas que a imprensa coloca nas ruas diariamente.

É curioso que ainda tenhamos de nos referir ao ritmo do noticiário como pacotes cotidianos de informações, uma vez que há mais pessoas ligadas instantaneamente ao fluxo de notícias e opiniões pelas tecnologias digitais do que aquelas que dependem de um jornal de papel ou de telejornais com horário fixo para saber o que se passa no tal ambiente midiático. Acontece que os jornais dialogam com as instituições, não com o indivíduo, e o que enxergamos no primeiro plano é apenas esse jogo de influências.

Então, vejamos: dizem os jornais que o Supremo Tribunal Federal manda os estados e municípios honrarem o pagamento de precatórios num prazo de cinco anos. As dívidas acumuladas dos membros da Federação, que superam os R$ 90 bilhões, devem ser zeradas até 2020. A partir desse ano, novas dívidas reconhecidas no primeiro semestre serão incluídas no orçamento do ano seguinte, para evitar futuros endividamentos.

A decisão aponta uma determinação do STF de disciplinar o uso do dinheiro público em todas as instâncias, e mostra que o problema das contas não é apenas do governo federal. Além disso, interrompe uma série de manobras do Congresso Nacional, que tradicionalmente engrossa o coro de cobranças mas é pródigo em suscitar despesas.

Nesse contexto deve ser lida também a notícia dando ciência de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, concordou em adiar a votação do projeto que pressiona o Executivo a regulamentar a nova indexação da dívida de Estados e municípios. Os jornais dão espaço para bravatas do presidente do Senado, mas Renan Calheiros e os editores sabem que o Congresso Nacional não pode mudar unilateralmente o contrato entre a União e os entes federativos.

Rabos de palha

O que há por trás disso é uma sigla de duas letras: PL. Os líderes do PMDB, do PSDB e do Partido Democratas acordaram tarde demais para o fato de que o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, está para completar a refundação do Partido Liberal, que poderá se fundir com o PSD e se agregar à base aliada. A nova agremiação que surgir dessa manobra terá um enorme poder de atração tanto de parlamentares do PMDB quanto de partidos oposicionistas.

Isoladamente, o noticiário dá a entender que o Executivo é refém do PMDB, pelas ações do senador Calheiros e do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Uma nota de coluna informa que o presidente do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi, ameaça devolver o Ministério do Trabalho até julho e desembarcar da aliança governista. Segundo outra nota, o vice-presidente Michel Temer diz que os protestos do dia 12 de abril podem abalar a confiança dos peemedebistas.

Mas há uma nova agenda no ar, e ela explica em parte a recente obsessão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em atacar seu sucessor, Lula da Silva. Uma candidatura de Lula em 2018 teria Kassab na primeira fila para formar a chapa no papel de vice-presidente, com potencial para desidratar tanto a banda chantagista do PMDB quanto atrair representantes da oposição que estão cansados de apanhar nas urnas.

A manutenção do grau de investimento do Brasil pelas principais agências de avaliação de risco, seguida de declarações de economistas segundo os quais o Brasil vai se beneficiar do excesso de liquidez no sistema financeiro mundial, mandou um sinal da economia para a política: devagar com o andor, que o dinheiro fala mais alto.

“Novo partido agrava crise entre PMDB e Dilma”, diz a manchete do Globo. Trata-se de uma verdade superficial. A rigor, a queda de braço tende a isolar Renan Calheiros e Eduardo Cunha, porque até a imprensa começa a admitir que a resistência dos dois dirigentes do Congresso às propostas de ajustes do Executivo joga a favor da presidente. Além disso, os dois parlamentares estão na mira da Operação Lava Jato. Eles têm interesse em incendiar o circo, mas nada garante que serão seguidos por aqueles que não temem a investigação.

Como se diz no interior, quem tem rabo de palha não senta ao pé do fogo.