Um dos mais importantes programas da TV brasileira mostra os quadros apreendidos na casa de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, investigado por participação no Petrolão. Uma obra é exibida, com a informação de que é a mais valiosa do acervo, e pode chegar a valer R$ 17 milhões, se autêntica. Em seguida, o próprio repórter vira o quadro e mostra a prova de que se trata de uma gravura. Valor máximo, R$ 150 mil. De acordo com gente do mercado, R$ 50 mil é um valor bem mais provável.
Margem de erro de fazer inveja a instituto de pesquisa daqueles que têm lado: 99%. E com o objetivo de apresentar o acusado como um milionário – o que talvez até seja, mas não com esse tipo de patrimônio.
Numa das reportagens sobre os SwissLeaks, o vazamento de informações sobre contas bancárias – algumas legais, algumas ilegais – na filial suíça do HSBC, são citados entre os correntistas os quatro filhos do jornalista Alberto Dines, agrupados como “família Dines”. E, sabe-se lá por que, conta-se só metade da história. Como dizia o clássico anúncio da Folha de S.Paulo, com meias verdades faz-se uma mentira inteira. Comecemos: primeiro, Alberto Dines não é rico. Trabalha para viver (embora, se fosse rico, trabalharia do mesmo jeito, já que é uma das coisas que mais gosta de fazer). Segundo, três dos filhos de Dines vivem no exterior há mais de 30 anos. Não têm rendimentos no Brasil, nem conta bancária por aqui. Tiveram herança da mãe, com quem Dines foi casado em regime de separação total de bens e de quem se separou em 1975 – há quarenta anos, portanto. Terceiro, embora qualificados como jornalistas, dos quatro só dois se dedicaram por algum tempo à profissão, e a abandonaram há mais de 15 anos. Dines jornalista, só o Alberto; e este não tem dinheiro, nem conta no exterior, nem pode parar de trabalhar. E, no entanto, foi atingido por uma matéria que escolheu a ele e seus filhos como amostra de mais de cinco mil brasileiros que têm conta no HSBC suíço.
Com notícias desse tipo saindo nos jornais, fica meio difícil reclamar de matérias escritas automaticamente por computador. Os tais algoritmos serão tão nocivos quanto reportagens feitas por pessoas que atingem deliberadamente seus alvos – portanto, pensantes – ou os atingem sem saber o que fazem – portanto, não pensantes? Gente que não pensa ou algoritmo, tanto faz. E gente que pensa para distorcer os fatos e atingir alguém é pior do que um computador sem alguém que o opere. Algoritmo, pelo menos, é neutro.
Pensamento vivo 1
Do despacho do juiz de uma grande comarca:
“(…) determino a intimação da advogada (…), subscritora da referida petição, para que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas explique nos autos a quem se refere e o que pretende dizer com a frase ‘verificar certinho se põe esse parágrafo, porque aquele juiz é meio doido’ (sic), contida na terceira página da manifestação (…)”
Esta é a estagiariocracia: o advogado (e muitas vezes, também, o juiz) prepara a estrutura da argumentação e deixa para os estagiários o recheio, a busca dos artigos legais cabíveis, etc. Pode dar problemas: uma vez, um ministro do Supremo arrasou uma sentença, colocando em dúvida até a capacidade de quem a proferira. Pois é: a sentença tinha sido proferida por sua filha. Se tivesse lido os autos, o ministro nem julgaria o caso, declarando-se impedido. O auxiliar deixou passar o erro e do erro fez-se o vexame.
Pensamento vivo 2
Da entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a uma grande agência internacional, trecho em que o entrevistador fala da situação brasileira para os leitores estrangeiros:
“Entretanto, um dos delatores do esquema, o ex-gerente de serviços da Petrobras Pedro Barusco, disse que o esquema de propinas da Petrobras começou em 1997, durante o governo tucano”.
Segue-se a frase fatal, entre parênteses:
“(Podemos tirar, se achar melhor)”.
Não tem jeito: pode até haver alguma explicação inocente (nada é impossível, afinal de contas), mas que ninguém acreditará nela, isso ninguém vai acreditar. Vamos à explicação inocente dada pela agência noticiosa, na íntegra, enviada à revista Carta Capital, que pediu os esclarecimentos:
“Em 23 de março, a Reuters publicou inadvertidamente uma reportagem em Português que continha uma pergunta de um dos editores do Serviço Brasileiro de notícias ao jornalista que escreveu a versão original da matéria em Inglês. A pergunta, que deveria ter sido removida do texto, foi publicada acidentalmente. A Reuters em seguida publicou uma segunda versão do texto sem a pergunta. O conteúdo de ambos os textos em Português é exatamente o mesmo, e lamentamos qualquer confusão causada pelo engano.”
Deixemos passar a fantástica informação de que ambas as versões têm exatamente o mesmo conteúdo embora uma com uma pergunta, outra sem a tal pergunta. E continuemos: sim, sem dúvida foi um engano ter saído a frase. Mas o engano maior é a proposta de retirar da matéria trecho que poderia ser incômodo – a propósito, incômodo por que, e para quem? E a agência tem como hábito retirar das matérias trechos incômodos?
Qualidade custa
O Grupo Bandeirantes, pela segunda vez, decidiu cortar de sua equipe o jornalista Mauro Beting. Da primeira vez, há menos de dois anos, houve tantos protestos (inclusive internos, do comentarista Neto e do apresentador Milton Neves) que o grupo voltou atrás. Desta vez, repete-se a tentativa de economizar às custas da qualidade. Beting é excelente jornalista, e excelente jornalista esportivo; este colunista, que trabalhou com ele na Folha da Tarde, em São Paulo, conhece a qualidade de seu trabalho. E mantém alto nível de empatia com o público, o que é essencial em comunicação eletrônica.
Além da opção clara por economizar em vez de buscar qualidade, a Bandeirantes está deixando de lado uma de suas tradições mais bem vistas pelo público: a manutenção da memória. Seja mantendo seus profissionais em atividade, em vez de afastá-los quando algum chefe menos competente acha que ficaram velhos, seja estimulando a família de pessoas importantes na história da emissora a continuar o trabalho dos pais. Nos últimos tempos, Adri Cury, boa jornalista, filha do grande Muíbo César Cury, e Mauro Beting, filho de Joelmir, um dos astros da rede, foram afastados. Não é questão de sentimentalismo, nem de bom-mocismo: é questão de manter os princípios que levaram o grupo a uma boa posição no mercado. Abandonar os bons princípios é ruim; abandonar os bons princípios que sempre deram certo é apostar em dificuldades futuras.
Furo velho
Este colunista garante: por incrível que pareça, a notícia abaixo saiu nos mais diversos meios de comunicação. Quem a divulgou originalmente não pensou no ridículo, claro; quem a aceitou e publicou acriticamente ou não prestava atenção no trabalho ou não sabe muito bem do que se trata.
Enfim, a notícia distribuída e publicada é que o SBT decidiu exibir um filme que conta o final da novela da Record. Este colunista não viu nenhum capítulo da novela da Record (aliás, nunca viu novela nenhuma, por absoluta falta de paciência), e mesmo sem as estrondosas revelações do filme do SBT sabe perfeitamente como é que acaba a novela. Não é mistério nenhum: quem quer que tenha lido a Bíblia, assistido a missas ou cultos cristãos das mais variadas denominações, ou ido a uma igreja, capela, sinagoga, templo, conhece o final da novela Os Dez Mandamentos.
Moisés, príncipe do Egito, descobre que faz parte de um povo escravizado pelos egípcios, os hebreus. Abandona a corte do faraó e lidera seu povo na viagem de 40 anos pelo deserto, até chegar à Terra Prometida. No caminho, recebe de Deus as Tábuas da Lei, com os Dez Mandamentos; o Mar Vermelho se abre para que ele e seu povo passem, e se fecha quando as tropas egípcias os perseguem. Chegando à fronteira da Terra Prometida, com a idade de 120 anos, Moisés é chamado por Deus, despede-se de seu povo e caminha pelo deserto, sem que ninguém testemunhe sua morte. E Josué, seu comandante militar, assume a tarefa de ocupar o território que lhe fora destinado pelo Senhor.
Pronto: sem consulta ao Google, sem necessidade de informações de cocheira, aqui está a história inteira dos Dez Mandamentos (e, se alguém quiser saber um pouco mais, este colunista pode ajudar, falando das Pragas, do maná, o alimento que cai do céu, do Bezerro de Ouro; e recomenda, além da Bíblia, no Livro do Êxodo – um texto belíssimo – o clássico filme de Cecil B. de Mille, de 1956, com Charlton Heston no papel de Moisés e Yul Brinner como faraó).
Será que alguém acredita que a Rede Record pensaria em mudar o final dos Dez Mandamentos e fazer algo diferente do que está na Bíblia?
Adeus, Sophia!
Sempre foi uma boa jornalista; mas, mais do que isso, foi uma personalidade do jornalismo brasileiro. Sophia Wainer trabalhou em imprensa por mais de 60 anos. Começou em São Paulo, na Última Hora de seu irmão, Samuel Wainer; e se mudou para Brasília em 1960, na inauguração da nova capital. Sophia se especializou em política externa (numa época em que poucas mulheres jornalistas trabalhavam fora dos suplementos femininos), e ganhou o respeito do Itamaraty, um ministério complicado, cheio de disputas e rivalidades, conhecido amigavelmente como “serpentário”.
Sophia entrevistou de Pelé a Maria Tereza Goulart, esposa do presidente João Goulart; de Sarah Kubitschek, esposa do presidente Juscelino Kubitschek, a Tancredo Neves, o presidente escolhido para restabelecer a democracia e que, doente, não chegou a tomar posse.
Sophia Wainer morreu há poucos dias. É uma ausência que será notada.
E daí?
Deu no jornal:
“Aécio Neves alugou uma casa em Brasília na mesma rua onde mora José Dirceu”
Esforço de comunicação
Saiu no Diário Oficial da União (onde foi pescada pelo atento Lauro Jardim, da coluna “Radar“, a nomeação “de Marcos Barros para o cargo em comissão de Chefe de Divisão na Coordenação Geral de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura Continental em Estabelecimentos Rurais, no Departamento de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura em Estabelecimentos Rurais e Áreas Urbanas, na Secretaria de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura do Ministério da Pesca e Aquicultura”. Haja ostras para retomar o fôlego.
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “Ronaldinho marca gol que nem Pelé conseguiu fazer”
Houve época em que cacófato, união acidental de palavras que gera significados inoportunos, era um grave vício de linguagem, que se buscava evitar. A frase poderia ficar assim: “Ronaldinho faz gol que nem Pelé conseguiu marcar”. Mas será que, fora os autores do Manual de Redação, ainda se sabe o que é cacófato?
…é…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, cuja tradição era cuidar bem do texto:
** “Segundo ministro, alta de 27,3% elevaria os gastos com folha de pagamento do governo em mais de 1% do PI”.
Analisando direitinho a conjuntura do país, talvez alguém entenda o que é que essa frase gostaria de exprimir.
…mesmo?
Também de um grande jornal impresso, orgulhoso de seu passado:
** “Esse grupo mas passou a ‘exigir primazia’ nas ‘grandes obras’, segundo o Cade”.
Tem palavra a mais (ou “a mas”) e assim não dá sentido. Mas é possível entender, né? Vai-se arrumando a frase até que dê para compreender.
Frases
>> Do jornalista Gilson Campos, citado pelo colunista Aziz Ahmed, de O Povo, do Rio: “O Cid Gomes caiu do Ministério da Educação porque não tem educação.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “Um presidente da República em exercício, como Eduardo Cunha, pode demitir também um ministro terceirizado, como Joaquim Levy?”
>> Do internauta Chico Rezende: “Quem gosta de segunda-feira é aposentado ou tem amante na firma.”
>> Da jornalista Dora Kramer: “Marta não chamou convidados. Convocou plateia.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Possível manchete da Folha: ‘FHC, em coletiva no HC, nega conta no HSBC, critica BC e nega uso de THC’.”
>> Do tuiteiro Hugo A-Go-Go: “Curioso que Kassab caminha para a criação do seu segundo partido, enquanto Marina ainda não deu conta de criar o primeiro.”
>> Do jornalista Fred Navarro: “O novo ministro da Comunicação Social cuidará da divulgação do Baile da Ilha Sem Fiscal, a ser realizado em data próxima.”
>> Da tuiteira Leticia L. Coelho: “Todo dia tem um crime no PT. Sugiro abrir uma planilha no Excel e separar por cores pra ficar mais fácil.”
>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Após tantas trapalhadas, o ministro Aloízio Mercadante já pode ser considerado o copiloto alemão de Dilma no governo.”
E eu com isso?
Mas deixemos de lado a Ilha da Fantasia e seus monumentos ao desperdício de dinheiro público e falemos da vida real – das preocupações do dia a dia, dos fatos correntes que geram repercussão na vida de tanta gente, daquilo que interessa verdadeiramente aos consumidores de informação (duvida? Puxe conversa com seus vizinhos, vá ao cabeleireiro, converse com o pessoal da mercearia).
** “Famosas mostram que é possível usar preto nos olhos de dia”
** “O divertido tour de Eliana e seu clã em Orlando”
** “Jennifer Lopez leva os gêmeos na première”
** “Bruna Marquezine abusa do decote em evento fashion”
** “Justin Bieber esconde o rosto ao sair de seu escritório”
** “Porsche de presa com dinheiro na calcinha é leiloado por R$ 206 mil”
** “Matthew Broderick mostra dedo do meio para paparazzi”
** “Tristeza em velório”
** “Russell Crowe não tem problema em assumir a idade”
** “Grazi Massafera diz que odiava alimentos integrais”
** “Iggy Azalea confessa que operou os seios”
** “Atriz Martha Nowill conta como é não ter bunda no país da bunda”
** “Orlando Bloom muda de casa para fugir de Taylor Swift”
** “Após dizer que política só tem ladrão, Romário volta atrás e pede desculpas”
** “Kim Kardashian aparece morena novamente no Instagram”
** “Carol Castelo Branco defende o parto humanizado”
** “Uma Thurman é vista em clima romântico com ex”
** “Jesus Luz curte tarde de sol na praia”
** “Kaley Cuoco briga com marido para poder engravidar”
O grande título
Há coisas bem interessantes na semana. Uma bela manchete, por exemplo, dizendo algo que não está no texto:
Manchete:
** “Avião americano bombardeia panfletos contra o Estado Islâmico na Síria”
Texto:
** “Avião americano lança 60 mil panfletos contra Estado Islâmico na Síria”
E a gente imaginando que a Força Aérea Americana estava bombardeando os depósitos de panfletos de seus aliados!
Temos também aqueles títulos que, digamos, não se destacam por fazer sentido:
** “Acidente de ônibus em Campo Alegre, Serra Dona Francisca, mortos”
Pela frase não dá para descobrir, mas foi aquele acidente de ônibus que matou 50 pessoas.
E o grande título:
** “Após ser mãe de forma inesperada, nadadora com down chega ao topo”
Parece ser uma bela história de superação. Mas alguém poderia explicar-nos o que é ser mãe de forma inesperada.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação