A seleção brasileira de futebol jogou na quinta-feira (26/3) e no domingo (29/3). Duas vitórias. Para mim, foi como se não tivesse entrado em campo. Não prestei a mínima atenção nas partidas e fiquei sabendo dos jogos em cima da hora.
Sempre gostei de futebol, principalmente de praticar. Aprecio a estética dessa modalidade, porém os bastidores do esporte, nos quais o dinheiro comanda (a exemplo de praticamente todos os setores da sociedade), me enojam. Ao perceber essa indiferença em relação às partidas já citadas, perguntei-me se as pessoas ainda ligam para a seleção. A vergonha na Copa do ano passado fez com que muita gente criasse uma aversão ao time verde e amarelo. Mas, ainda é inegável: o futebol continua sendo a paixão nacional.
Já que minha pesquisa de mestrado passa pelo jornalismo esportivo, aprofundei os estudos sobre a relação do futebol com a mídia no Brasil. De acordo com diversos pesquisadores, quando a mídia começou a dar atenção extensa a esse esporte, como meio de ganhar audiência e lucro, o futebol já era paixão no Brasil e já configurava importante elemento da cultura nacional. Até Gilberto Freyre escreveu sobre o modo brasileiro de jogar futebol, na década de 1940.
Exemplos dessa força do futebol nos rumos do Brasil podem ser encontrados no livrinho chamado 90 minutos de sabedoria: a filosofia do futebol em frases inesquecíveis. A obra reúne frases, relacionadas ao futebol, de jornalistas, jogadores, escritores e outras personalidades.
A diversão e a realidade
Um desses exemplos é o telefonema dado, em 1958, pelo então presidente do Brasil, Juscelino Kubitscheck, para João Havelange, à época presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Na ligação, Juscelino explica e depois pergunta: “Durante a Copa do Mundo, na Suécia, substituí vários ministros e não houve uma única palavra a respeito nos jornais. Estou pensando em fazer novas mudanças em futuro próximo. Qual é a data da próxima Copa do Mundo?” É a mídia sendo pautada principalmente pelo maior evento esportivo do mundo. E naquela época nem era tão grande assim.
Outro exemplo mostra como o futebol serviu para desviar a atenção dos horrores que eram praticados pela ditadura militar, durante a Copa de 1970. Sobre o assunto, o jornalista Roberto Ramos, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre futebol e ideologia de poder, afirmou o seguinte: “O Brasil conquistou o campeonato mundial da tortura. Prendeu, aleijou e matou. Não deixou vestígios. O futebol era cúmplice. Escondia a face dos ditadores. Transformou-se na grande mentira nacional, superior a todas as autoridades do governo Médici.”
É necessário ressaltar que a mídia potencializou e continua potencializando o “poder” do futebol mundo afora. O esporte é o preferido pelos meios de comunicação no nosso país e não há indícios que demonstrem que isso vai mudar. Cabe-nos compreender que se trata de um tipo de diversão e que não pode influenciar nas nossas vidas a ponto de mascarar a realidade.
Claro, a sociedade é cada vez mais complexa e mesmo com as uniformizações impostas pela globalização e pela mídia também cresce a demanda por outros conteúdos. Essa parece ser a saída, mesmo que ainda não seja vista como tal.
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Raul Ramalho é jornalista