Morreu na quinta-feira (26/3), às 5 horas, aos 89 anos, o comediante Jorge Loredo, o “Zé Bonitinho”. Ele estava internado desde a última sexta-feira na Unidade Cardio Intensiva do Hospital São Lucas, em Copacabana. Ele já havia sido hospitalizado no São Lucas no dia 3 de fevereiro, voltou para casa e teve de retornar ao hospital. Segundo o São Lucas, “Loredo lutava havia anos contra uma Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) grave e um enfisema pulmonar e, apesar de todos os esforços terapêuticos, não resistiu e foi ao óbito devido a uma falência múltipla de órgãos.” A família ainda não autorizou divulgou informações sobre o sepultamento.
Jorge Loredo completaria 90 anos no dia 7 de maio. Ele é do bairro de Campo Grande, na zona oeste do Rio, e, além de ator, era também advogado. O personagem galanteador, de topete, óculos e enorme e bigodinho, o “perigote das mulheres”, foi o mais famoso de sua carreira. Loredo o criou em 1960 e o interpretou a vida toda. Ele se inspirou num amigo que era metido a conquistador. A estreia foi na extinta TV Rio, no programa “Noites Cariocas”, e logo cativou o público.
O ator dizia que, em sua vida particular, era o oposto de Zé Bonitinho: “O artista só pode representar aquilo que não é, no máximo aquilo que gostaria de ser. Se tivesse algo do Zé, não faria o personagem”, declarou, em entrevista dada nos 50 anos do personagem.
Feio, voz nasalada, gestos robóticos – nada parecia depreciar a imagem de Zé Bonitinho, o mais famoso e longevo personagem criado por Jorge Loredo.
Ele nasceu em Campo Grande, no dia 7 de maio de 1925, e não parecia que viveria durante muito tempo. Aos 12 anos, por exemplo, foi diagnosticado com osteomielite na perna esquerda. Isso lhe provocava uma dor constante, que só foi curada na década de 1970. Por conta disso, Loredo foi um garoto tímido e introvertido.
Quando completou 20 anos, foi internado em um sanatório com diagnóstico de tuberculose. O que para muitos representaria o fim tornou-se uma nova opção de vida – incentivado por médicos, Loredo ingressou em um grupo teatral no próprio hospital, onde descobriu sua vocação de ator.
Após receber alta, um teste vocacional identificou uma tendência para “atividades exibicionistas”. Mesmo assim, Loredo procurou uma escola de teatro em busca de papéis “sérios”, mas, contra a sua vontade, sua primeira audição foi para representar o monólogo cômico Como Pedir uma Moça em Casamento. Aprovado, não lhe restou alternativa que adotar o humorismo como profissão.
Surgiram assim personagens que se tornaram clássicos como o Mendigo filósofo da Praça da Alegria, criado no final dos 1950 – era um vaidoso e esnobe clochard que a todos os esmoleres tratava de “meu nobre colega”.
O grande sucesso, no entanto, veio em 1961, com o surgimento de Zé Bonitinho, personagem que marcou definitivamente sua carreira. O motivo era o jogo de contradições: apesar de visivelmente um homem feio, com imensos óculos e um bigodinho delgado, Bonitinho justificava o apelido e era o terror das mulheres.
Suas frases de efeito (“Mulher para mim é igual parafuso: é no arrocho”) e os motivos de seu cansaço (“Hoje beijei 999 mulheres e estou com a boca mole”) provocam inúmeras gargalhadas dos espectadores do programa Noites Cariocas, na antiga TV Rio.
Segundo Loredo, a inspiração veio de um amigo metido a garanhão, chamado Jarbas. “Ele era uma figura, cantava todas as mulheres, parava em frente ao espelho para pentear o bigode. Eu o imitava nas festas e as pessoas se divertiam muito”, contava.
E o personagem agradava também os chamados intelectuais, a ponto de o cineasta Rogério Sganzerla ter se inspirado em Zé Bonitinho para criar as histórias dos filmes Sem Essa, Aranha (1970) e O Abismo (1978).
“Hoje beijei 999 mulheres e estou com a boca mole”
Apesar do sucesso, ele nunca se iludiu com a fama. Tanto que, durante a semana, trabalhava como advogado, especializado em previdência social. Em 2001, ele garantia que muitas vezes viu sua renda totalmente atrelada ao trabalho jurídico, uma “retaguarda financeira” que já o salvara de situações difíceis.
“A TV é inconstante: hoje você está empregado e famoso, amanhã nem lembram seu nome”, dizia. “Atualmente, quase tudo o que ganho vem do meu escritório. Suspiro aliviado quando lembro que tenho outra profissão.”
Jorge Loredo não gostava de misturar o personagem Zé Bonitinho com sua carreira de advogado, mas contava que perdera a quantidade de vezes em que flagrou um cliente com vontade de rir só de olhar para sua cara.
“No meu escritório, adoto uma conduta séria para não confundirem as coisas, e evito falar sobre TV com os clientes. Tenho de passar credibilidade, minhas graças como humorista são um outro negócio”, dizia. “Mas não foram poucas as vezes que clientes se surpreenderam ao me verem e até começaram a rir. Tem gente até que pede foto do Zé Bonitinho autografada depois das audiências.”
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Ubiratan Brasil e Roberta Pennafort, do Estado de S.Paulo