Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornal do senador

O Diário do Pará já pode requerer ao Guiness o registro do recorde que realizou na terça-feira (31/3). Seu caderno de polícia publicou 19 fotos de cadáveres em suas oito páginas em formato tabloide (média de mais de dois cadáveres por página), quatro deles na capa. Provavelmente nenhum órgão da imprensa mundial chegou a tanto. Até onde irá o jornal do senador Jader Barbalho nessa fúria sensacionalista?

Num dia o jornal usa tarja eletrônica para poupar o seu leitor de deparar diretamente com a face do morto. Na edição seguinte a tarja desaparece, como nessa edição de terça-feira, e pode-se observar o estrago causado por vários tiros dados na cabeça da vítima.

Ao virar as páginas do caderno de polícia, tem-se a sensação de estar manuseando um álbum para identificação de cadáveres do Instituto Médico Legal. A repulsa é imediata num leitor normal, que foi educado na família e na escola, e tem princípios. O que provoca numa pessoa sádica, de maus instintos, familiarizada com as cenas de crimes?

É isso o que o jornal do senador Jader Barbalho pretende: estimular a bestialidade humana e, incentivando-a, manter como público cativo o cidadão que compra o jornal e vai atrás de sangue que lhe é oferecido em mostruário impresso em papel? O Diário do Pará, assim procedendo, não passa a ser coautor desses homicídios e fomentador da violência que diz combater, por atribuí-la ao seu adversário político, o governador do Estado?

Tinta e sangue

À parte essas circunstâncias, trata-se de cínica linha editorial, a serviço do interesse comercial de vender mais jornal, dominando um segmento da população que, exposta cotidianamente ao crime, foi induzida a frequentar o lugar onde essa violência tem espaço garantido, como o jornal do senador Jader Barbalho.

Se com esse caderno sangrento o jornal passou à frente do seu concorrente, qualquer preocupação moral ou ética passa a ser prurido oneroso. O Liberal não imitou o rival, criando também, recentemente seu tabloide de polícia, sinal de que sentiu o golpe e segue atrás do prejuízo?

Na sua edição de terça (31), o jornal dos Maiorana já abrigou três fotos de cadáveres, editadas sem a bestialidade do Diário, mas incrementando esse vil recurso de uma imprensa que não respeita seu leitor, nem a si própria.

Se o jornal apenas retrata a violência, que está nas ruas e não pode ser retocada ou camuflada, por que só estampa nas suas páginas “presunto” do pobre habitante pardo da periferia? Por que os corpos da gente bem, dos colunáveis, não vai para a vitrine dessa imprensa marrom ou amarela, ou furta-cor?

Que a aliteração da frase inspire algum hip-hop de protesto para tirar o paraense do seu sono eterno e o dono do jornal, o senador Jader Barbalho, da sua indiferença pela sua condição de homem público e líder popular. Líder para quê, senador? Para manter o povo do Pará nessa lama de tinta de jornal e sangue humano, numa promiscuidade comercial pela receita e o lucro a qualquer preço?

***

Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)