Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem ganha com a instabilidade no governo?

O Jornal do Brasil online publicou um editorial (30/3) que me fez lembrar o antigo periódico impresso em seus melhores dias. Ele foi a voz contrária à da Globo nas décadas de 1970 e 1980. Nos “anos de chumbo” que se seguiram à deposição de um presidente de bom coração e de boas intenções, mas péssimo governante e estrategista político. O jornal dos Marinho ganhou força (e financiamento) com o golpe militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart.

O título empregado foi sóbrio e questionador: “O que há por trás das tentativas de desestabilizar Dilma Rousseff?”, arguiu o JB. Editoriais são feitos em coletivo, por grupos de jornalistas na redação e servem, aos olhos dos observadores, como um termômetro de um determinado periódico em relação a uma determinada pauta, tema, assunto ou situação. O JB fez uma linha do tempo de argumentos da mídia que revelam, de forma clara, repetidas investidas contra o Estado democrático representado por um mandatário eleito pelo povo.

Seja lá qual for o tamanho da população que votou na oposição, o regime democrático tem que ser protegido e posto acima de birras partidárias e transtornos de governança que estão contra os melhores interesses do país e sua população. O Brasil não é parlamentarista. Não se substitui um chefe de Estado reeleito de forma súbita, sem própria justificativa legal, sem que ocorra grande abalo institucional e sem fraturar ou deformar a democracia. Mas os ataques ao regime democrático se repetem desde a derrota de Aécio Neves, quando o discurso antidemocrático começou a “endurecer” sua preleção contra o atual governo eleito.

O editorial do JB primeiro lembrou aos leitores os primeiros resmungos antidemocráticos:

>> “Dilma não teve maioria”.

>> “Os 30% não dão a Dilma o direito de governar”.

Em seguida, o impeachment:

>> “Dilma não pode governar tendo presidido o conselho da Petrobras. É corresponsável por todos os escândalos”.

Sem sentido lógico

Pronto! Ela sabia de tudo. Domínio absoluto do fato. É culpada e fora! Errado. A democracia não funciona assim, para transtorno de barões da mídia e setores corporativos que tentam dirigir o pensamento da população através de exageros insólitos, sem lógica e algumas vezes risíveis. Tudo por ignorância da nossa história recente. Ignorância de uma burguesia mal instruída. Nunca se lavou tanta roupa suja durante todo o tempo em que o PT esteve no poder. Com isso, toda a podridão que existe no mundo da política acabou por “vazar” na direção deste partido. Virou maldição. O PT foi inocente e imprudente em suas alianças.

Depois das reclamações abusivas, o editorial criticou a reação frenética da mídia depois da escolha dos novos ministros de Dilma. A perseguição sistemática e apoiada em contrassensos continuou, e aprofundou-se ainda mais. Observem os temas recorrentes na mídia e seus parceiros do mercado:

>> “Dilma escolheu quem participou do plano de governo de Aécio”.

>> “Lula se irrita com Dilma”.

>> “Eleição de Eduardo Cunha é derrota para Dilma”.

>> “Barusco diz que Dilma e Lula sabiam de tudo”.

>> “Projeto de Joaquim Levy não pode passar”.

>> “Dilma traiu seu eleitorado”.

Esta última afirmação foi uma boa tentativa de dividir para conquistar. Ele pretende dizer algo assim como “estamos solidários com todos vocês, com todos os enganados pela Dilma traidora”. Que tremenda estultícia! Beira o infantilismo. E estas pérolas abaixo?

“Seca nunca aconteceu no país. Só no governo de Dilma.” Alguém pode levar isso a sério? É de matar de rir. E tem mais:

>> “Se Dilma não definir o ministro da Educação, Congresso se insurge contra ela.”

>> “Devolução de medida provisória de desonerações por Renan Calheiros mostra que Dilma perdeu base parlamentar.”

>> “Dilma não podia prestigiar evento do MST.”

Como não? Ela não pode visitar um movimento ligado ao seu partido de forma orgânica e histórica? Mais um absurdo sem sentido lógico.

Para reforçar a credibilidade

E então: “Dilma exige retratação do ministro Joaquim Levy.”

Uma declaração infeliz e mal interpretada do ministro da Fazenda (24/3) foi usada pela mídia para causar mal-estar ao governo. No dia 24 de março, ele explicou (em inglês) a alguns alunos da Universidade de Chicago que a vontade de Dilma em acertar é real e legítima, mas ela tende a fazer as coisas do modo mais difícil ou “menos eficiente”.

Foi o suficiente para o Estado de S.Paulo (29/3) publicar o seguinte título: “Mercadante manifesta insatisfação de Dilma com declaração de Levy”. O conservador “Blog do Kennedy”, (30/3) associado ao departamento de notícias do iG, publicou outra suposta versão do “desastre” da presidente: “Dilma transforma escorregão de Levy em crise”.

No mesmo dia, Dilma minimizou a fala do ministro. Disse que “ele foi mal interpretado”. E explicou os fatos. O portal G1, da Globo, publicou a fala da presidente:

“Em política, vocês sabem que às vezes eu não posso seguir um caminho curto porque eu tenho de ter o apoio de todos aqueles que me cercam. Então, tem a questão de construir consensos. Eu acho que é nesse sentido que ele falou e não tem por que criar maiores complicações por isso. Ele já explicou isso exaustivamente. Ele ficou bastante triste com isso e me explicou.”

Nunca houve crise, mas uma tentativa de criar convulsão no governo a partir de uma declaração que em nenhum momento foi usada como ataque a Dilma Rousseff. Foi no máximo uma observação crítica de um colaborador antigo. O ministro já foi secretário do Tesouro durante o governo Lula, até 2006. Não tem experiência em prática política ou exposição pública. Disse que Dilma quer, de toda maneira, acertar. Fazer a coisa certa. Mas procede do jeito dela, e “nem sempre emprega os métodos mais eficientes”. Isso não é crítica a presidente de maneira alguma. De forma canhestra, ele tentou demonstrar aos alunos da Escola de Chicago as intenções corretas da presidente para reforçar sua credibilidade diante de gente inquieta do mercado.

Oposição antidemocrática

Por que o exagero da imprensa? Por que a crise (esta do Levy) que nunca existiu, a não ser em palavras mal escolhidas e logo capturadas pela imprensa para desestabilizar o governo? Como explicou o editorial do Jornal do Brasil, “setores empresariais e da grande mídia querem dirigir a opinião pública” do país. Querem fazer a população acreditar que caminhamos para uma grande crise que vai destruir o país. Esse discurso vem se repetindo desde 1945.

A imprensa, junto a interesses corporativos contrariados, continua a tentar empurrar Dilma a uma posição insustentável de ingovernabilidade aos olhos do povo. A maior parte de nossa grande imprensa continua a reverberar os velhos ataques contra qualquer político que defenda com veemência os interesses nacionais sob um ponto de vista da proteção e da promoção social da população mais pobre. Foi assim com Getúlio, com Jango, e agora com Lula e Dilma. E a luta ainda não acabou.

Não há mais diálogo produtivo entre governo e oposição. Só uma guerra de atrito que pretende desgastar o governo em seu dia a dia através de uma meteorologia política diária que desinforma o leitor, o espectador e o internauta incauto. Preferem (as mídias que jogam sujo) o mal do país, o sofrimento do povo e o ataque diário as instituições democráticas a estimular o debate que leve e um consenso que facilite a governabilidade. Isso não interessa de jeito nenhum.

Contam com o apoio de boa parte da “base aliada” e, juntos, imobilizam o governo ao reduzir mais e mais sua margem de manobra. A intenção é clara: abalar de vez o governo eleito de Dilma Rousseff. E a estratégia atual é esta: desacreditar aos olhos da população um governo eleito atacando qualquer iniciativa de conciliação e diálogo com a oposição. Não por desgosto ou protesto contra a atual administração. Mas para prepararem o caminho da derrubada do regime, e o desgaste total de um projeto de governo que retirou milhões da miséria absoluta, incluiu outros milhões de ex-pobres na classe média e pôs o Brasil no mapa das grandes economias globais.

Mais uma vez, imprensa, mídia, setores inconformados das classes médias e altas e boa parte do empresariado esperam de Brasília um esforço que apresente, em curto espaço de tempo, resultados que só podem ser obtidos dentro de um clima de normalidade política constante. Tranquilidade para governar é o que o governo precisa. A democracia depende dela no amargo cotidiano de Brasília. Mas eu tenho certeza que a imprensa vendida e a oposição antidemocrática vão tentar ao máximo continuar em sua guerra suja para desconstruir tudo o que o povo conquistou com seu voto desde que o PSDB saiu do poder.

JB assume posição fora da “grande imprensa”

As coisas vão mal agora? O déficit fiscal é sufocante? A seca no sudeste é culpa da Dilma? Os abusos continuam e vão continuar: nossa democracia é frágil e recente. Oposição e situação não debatem mais os interesses e projetos para o país: fazem acertos e concessões para que o governo possa continuar a fazer o seu trabalho. Debaixo de “tiro, porrada e bomba”. É muita deslealdade. Um completo desrespeito a toda a nação brasileira. A todos nós. Para não dizer traição ao regime democrático.

A verdade é que Dilma foi empurrada, puxada e massacrada por setores empresariais e de mídia até que não lhe restasse quase nenhuma margem de ação ou condições de governar. Foram tentativas deliberadas de desestabilizar um governo eleito, apoiadas pela grande mídia, por setores das classes médias e altas e interesses contrariados. E que continuam até hoje. O anti “lulopetismo” invadiu as mentes da própria gente que alçou à classe média graças ao aumento da renda média do trabalhador brasileiro promovido pelo PT.

É um fenômeno curioso de despolitização que apela às emoções mais primárias, que chega à ebulição nas redes sociais e acaba por afastar o eleitor da realidade política real. A fúria emocional substitui o debate político, que acabou impossibilitado pela incitação ao ódio. Já comentei isso neste Observatório na edição 842. O editorial do JB online do dia 30 de março trouxe saudades dos tempos de antigo impresso carioca. Que hoje em dia, apesar de instalado no antigo paço do terceiro Palácio Episcopal do Brasil, não mais vê a si mesmo como parte da “grande imprensa”.

Por ora, isto é uma boa coisa: o JB online, em seu editorial do dia 30 de março de 2015, manteve sua coerência antiga depois do fim de sua versão impressa e assumiu com honra sua posição fora da “grande imprensa”. Por outro lado, o JB impresso faz falta. O Rio de Janeiro e o Brasil inteiro precisam de um periódico de tradição que represente a vontade dos que não estão satisfeitos com os abusos da mídia antidemocrática. O povo merece mais que o Globo, a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo. Ou o Estado de Minas e o Zero Hora.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor