Uma pesquisa do Pew Research Center com membros da ONG americana Investigative Reporters and Editors, dedicada a melhorar a qualidade do jornalismo investigativo, revelou que muitos repórteres acreditam que apenas jornalistas que cobrem questões nacionais ou investigações governamentais são monitorados pelo governo; no entanto, a realidade é outra.
“Ser jornalista em 2015 é mais perigoso do que jamais foi”, resume o jornalista e radialista Alan Pearce, autor do livro Deep Web for Journalists: Comms, Counter-Surveillance, Search, que trata das ameaças enfrentadas pelos profissionais de imprensa no ambiente digital e ensina a se proteger delas.
Pearce observa que os profissionais da imprensa não são apenas vítimas constantes de ataques, assassinatos e guerras: tornaram-se alvos de agências de inteligência, policiais e órgãos do governo. Isso ocorre porque jornalistas passaram a ser vistos como profissionais com potencial para fazer todo tipo de contato durante a construção de suas reportagens.
Escapando do monitoramento online
Pearce diz que o grande problema é que, toda vez que um repórter se dedica a fazer uma pesquisa, ele se coloca numa situação delicada. “Um jornalista que estiver trabalhando em uma reportagem sobre um cidadão comum que tem uma ideia para combater a proliferação de explosivos caseiros muito provavelmente vai precisar ler sobre estatísticas militares, assistir a algumas explosões no YouTube, pesquisar sobre detonadores e visualizar alguns sites extremistas”, exemplifica. “E com isto ele estará pedindo para ter problemas”. Pearce diz que tais pesquisas “suspeitas” farão deste jornalista um sujeito marcado.
Ele diz que, por causa disso, é muito importante que jornalistas aprendam a utilizar programas de criptografia de dados para mascarar informações essenciais como sua identidade e localização. O autor alerta, no entanto, que o disfarce deve ser moderado e que algumas atividades online – como compra de ingressos de cinema e bate-papo casual com amigos – devem permanecer intactas a fim de não levantar suspeitas.
Ele também alerta para que jornalistas não cliquem em links suspeitos, pois podem conter malwares especializados em roubos de dados. Isto acontece porque repórteres não são visados apenas pelas agências de inteligência governamentais; a ameaça pode vir desde criminosos e organizações criminosas, passando por partidos políticos, grupos extremistas, até escritórios de advocacia e gigantes corporativos.
“Para evitar que seu e-mail seja infectado automaticamente, desative a versão HTML das mensagens, bem como a abertura automática de anexos”, aconselha. “E para não clicar em links suspeitos de URLs encurtadas, verifique sempre o endereço original através da página LongURL.org”, alerta. Ele também recomenda nunca abrir arquivos de origem desconhecida.
Pearce diz também que, se você acredita ser um alvo em potencial, nunca deve fazer compras pela internet ou através de dispositivos digitais, como smartphones e tablets. “Acima de tudo, nunca confie totalmente na tecnologia para manter-se seguro. Não existe um único sistema ou parte de um software 100% seguro. Você precisa combinar ferramentas e técnicas, e é preciso elaborar táticas e estratégias para evitar ser encontrado”, avisa.
Medidas de proteção se expandem
Algumas empresas jornalísticas já estão tomando medidas para proteger seus dados. O site Gawker, por exemplo, anunciou que a implementação do SecureDrop, um novo sistema de comunicação anônimo para que as fontes possam entrar em contato com seus repórteres sem temer vazamentos.
O jornal canadense The Globe and Mail também adotou o SecureDrop e possui uma pequena equipe de repórteres fazendo uso do portal anônimo. As revistas Forbes, New Yorker e Wired, além do Washington Post, também utilizam alguma forma de criptografia e adotam diversas medidas de segurança.
“A onipresença da comunicação digital dificultou mais do que nunca o envolvimento em conversas verdadeiramente privadas, e ferramentas como o SecureDrop são cada vez mais cruciais para garantir que as pessoas com histórias importantes a contar possam se apresentar com segurança”, declarou John Cook, editor investigativo do Gawker.
Jornais locais, sem dúvida, têm menos recursos do que seus companheiros maiores, mas não passam incólumes. Conforme salientou David Walmsley, editor-chefe do Globe and Mail, para eles, pode ser ainda mais vital proteger suas fontes, afinal jornais pequenos estão em uma comunidade onde “todo mundo conhece todo mundo”.
De Hollywood ao cidadão comum
Mas jornalistas não são os únicos que devem se preocupar com a proteção de dados. É sabido que há muito tempo Hollywood vem protegendo as informações que circulam em seus sistemas digitais, principalmente para evitar o vazamento de roteiros ou de informações confidenciais (e muito provavelmente para evitar o efeito Sony).
Em artigo para a Columbia Journalism Review, o jornalista Kelly J O’Brien comentou que esta preocupação com a segurança da informação muito provavelmente já se estende para o público leigo (principalmente numa era pós-Edward Snowden), e que empresas como Apple e Google devem expandir o conceito, tornando o público mais familiarizado com a ideia de que fazer uso de criptografia pode ser tão fácil quanto enviar mensagens de texto padrão. “Mas mesmo que as fontes demorem anos para se atualizar no conceito de tecnologia e segurança digital, é importante que empresas jornalísticas já estejam prontas e à espera, ou correrão o risco de perder uma boa reportagem”, concluiu.
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