Difícil descrever o Orkut (http://www.orkut.com) para quem não conhece. Pode-se dizer que é uma rede de contatos virtuais. Você vai lá, diz quem é (idade, filme preferido, trabalho etc) e seu perfil fica online. Aos poucos, você vai encontrando outros amigos seus que também estão no Orkut e eles também vão encontrando você. Em pouco tempo, forma-se uma verdadeira rede de contatos e amigos.
Eu também estou lá (http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=17568633378889203948) confesso, mas não há como negar: o Orkut é uma grande bobagem. Não faz nada que uma lista telefônica não faça. Resisti bravamente a todos os leitores que vêm me pedindo uma coluna sobre o Orkut há meses, mas agora não teve como evitar. A imprensa brasileira descobriu o Orkut.
O português Tiago Verdial, trinta e poucos anos, ex-funcionário da Kroll Associates, foi preso pela Polícia Federal, acusado de monitoramento ilegal e de corrupção de servidores. Até aí, tudo bem. Seria apenas mais um lance do escândalo da semana se Verdial não tivesse (como tantos outros) um perfil no Orkut (http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=2277279572306787828).
Não sei quem foi o jornalista que teve essa brilhante idéia, mas na segunda-feira (26/7), dois dos principais jornais brasileiros, Folha de S.Paulo e O Globo, noticiaram a prisão de Verdial e citaram seu perfil no Orkut como…. fonte!
Disse O Globo, em ‘Amigos do Orkut vêem Verdial como confiável’:
‘A página de Verdial no Orkut revela que ele é um garotão bon vivant e considerado pelo circuito dourado dos amigos e amigas, muitas amigas, 80% confiável. (…) No Orkut, Verdial tem 145 amigos e é chamado por alguns de Portuga. ‘Araponga escamoso’ também foi um termo utilizado por um amigo, que o definiu como ‘um cara supertranqüilo e pacato, que nunca arruma confusão e que nunca coloca em perigo a integridade física dos amigos’. Ironia ou não, as mensagens disponibilizadas para o público dão conta de um Verdial bastante querido pelos amigos. Alguns inclusive enviaram mensagens depois da prisão. ‘Estamos aqui pro que precisar. Fica bem’, escreveu uma das amigas.
‘Em seu perfil, o português se definiu como agnóstico, com visão política de centro e senso de humor sarcástico, mas também amigável. Fuma regularmente, bebe ocasionalmente e mora sozinho. Pratica basquete e tênis. Afirmou que sua profissão é consultor, e que gostaria de utilizar o Orkut para fazer mais amigos e negócios. (…) Na seção reservada para testemunhos de amigos, um deles escreveu: ‘O portuga tem escrito no meio da testa: `sou uma figura´.’
Disse a Folha, em ‘Em e-mail, espião disse que o papai do céu o protegia’:
‘Em sua página na Orkut, o novo centro de discussões na internet, o ex-funcionário da Kroll preso no sábado, o português Tiago Verdial, diz gostar de Cartola, Nelson Sargento e Clara Nunes. Na quinta, antes de ser preso e no dia em que a Folha revelou que a Kroll espionava o governo, disse a colegas por e-mail, de seu apartamento na Urca, no Rio. ‘Já li a matéria, tô passado. E o crack luso [uma referência a ele próprio] não foi citado!!’. No texto, Verdial avalia duas alternativas: seu nome seria mencionado numa próxima reportagem ou, segundo suas próprias palavras, ‘papai do céu tá me protegendo e nunca serei lembrado. Gostei da 2ª opção’. No final da mensagem, convoca os amigos: ‘Alô, Alô, moçada do Riiio, hoje é quinta-feira vamo pro samba?’ Esse é o ‘espírito’ de Verdial, contaram seus amigos à Folha: alegre e expansivo demais para a imagem que leigos no assunto associam a espiões.’
Ou seja, descobriram que ele é agnóstico, tem 145 amigos, é chamado de ‘Portuga’ e até de araponga escamoso e gosta de Cartola e Nelson Sargento. Destacaram inclusive mensagens de solidariedade deixadas por amigos depois de sua prisão. Alguns jornalistas mais empreendedores chegaram a enviar e-mails para esses amigos com perguntas mais específicas.
Não é nada não é nada, já é um levantamento de ficha completo.
Morre Fervil
No mesmo dia em que Folha e O Globo descobriam o Orkut, morria o Fervil, no Rio de Janeiro. Pioneiro do jornalismo virtual no Brasil, Fervil, ou Fernando Vilela, 30 anos, foi um dos fundadores da revista Internet.br, editor do Aqui!, o site de variedades do Cadê, passou pelo iG e até há pouco trabalhava como Diretor de Conteúdo do Blah, portal de telefonia celular da TIM.
A imprensa mostrou que não precisa ser ensinada novamente. Os obituários do Fervil já na terça-feira (27/7), continham diversas referências ao seu perfil no Orkut.
Disse o Último Segundo, do iG, em ‘Luto e homenagem na despedida do jornalista Fervil'(http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=6236465693197532819):
‘Na sua apresentação no Orkut, Fervil se definia como ‘a ciborg flaneur, walking around the Earth, swimming in the Noosphere’, algo como um ciborg navegante, andando ao redor da Terra e nadando na noosfera. No mesmo Orkut, onde há o registro de 469 amigos, Fervil é descrito como um ‘campeão de sinapses virtuais’ e ‘sinônimo de internet no Brasil’.’
Blogs de pessoas mortas
Em outra coluna, escrevi sobre o cada vez mais comum (e mais macabro) fenômeno dos blogs das pessoas mortas [veja remissão abaixo]. Afinal, o que acontece com um blog de uma pessoa que morreu? Simples: ele transforma-se em verdadeira peregrinação virtual, em um mural de recados para o outro mundo. E foi exatamente o que houve com o Fervil.
Seu recente blog – Mobilete (http://fervil.blogspot.com/) – tinha sido criado para comemorar sua mudança para um novo apartamento, em Laranjeiras. O último post (http://fervil.blogspot.com/2004/07/segredo-de-estado.html) é da madrugada antes de sua morte, sobre uma campanha para que o governo libere informações sobre OVNIs.
O Mobilete recebia, em média, menos de 100 visitas por dia mas, só nas 48 horas seguintes à morte de Fervil, o blog recebeu 4 mil visitantes. Amigos, fãs e anônimos já deixaram mais de 60 comentários no blog, a maioria falando diretamente ao Fervil: ‘Vai em paz companheiro, que a tua vida do outro lado seja tão ou mais proveitosa como a que viveste aqui.’
Mas a que bateu mais fundo, pelo menos em mim, foi essa aqui: ‘Gostaria de inventar um e-mail que uma vez enviado, pudesse chegar ao seu destinatário com um dia de antecedência’, dizia.
O fim da privacidade
O que a imprensa descobriu é que a vida de jovens informatizados de classe média alta das grandes cidades é um livro aberto. Ou, melhor dizendo, uma tela aberta. Tiago Verdial, Fervil e eu tínhamos em comum estar na faixa dos 30 e poucos anos e passarmos boa parte do nosso tempo online. E é impossível usar a internet tanto tempo sem deixar rastros.
O que a imprensa descobriu é algo que as agências de empregos já descobriram faz tempo: em se tratando de jovens nessa faixa etária, uma busca no Google vale muito mais do que levantar a ficha na Polícia Federal.
Em junho, na Flórida, uma professora de 23 anos foi presa por fazer sexo com um aluno de 14 anos. No mesmo dia, ela tornou-se mania na internet. Foi citada em milhares de sites e blogs e seu nome foi a quarta expressão mais buscada no Google naquela semana. Sua vida deixou rastros por todo canto. As fotos do seu noivado e casamento, por exemplo, estavam no portfólio online do fotógrafo, disponíveis para curiosos do mundo inteiro.
Sobre isso, escreveu Pedro Dória, para o NoMínimo (http://nominimo.ibest.com.br), em ‘Debra e o fim da privacidade’:
‘A jovem professora faz parte da primeira geração que viveu boa parte da vida online. A quantidade de informação que há sobre ela é grande, sua vida pode ser reconstruída com buscas cruzadas intensas e repetitivas. O fim da privacidade chegou e foi mês passado.’
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Colunista de internet da Tribuna da Imprensa, editor do Guia de Blog SobreSites (http://www.sobresites.com/blog) e mantém o blog Liberal Libertário Libertino (http://www.liberallibertariolibertino.blogspot.com/); e-mail (cruzalmeida@sobresites.com)