Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A volta do monopólio

Enio Vieira (*)

Mal terminou a privatização da Telebrás, as empresas de telecomunicações passaram a chiar baixinho. Agora querem ser ouvidas de qualquer maneira. As primeiras notícias já aparecem em vário cantos: as telefônicas estão pedindo a adiantamento da grande mudança que será feita no setor em janeiro de 2002. Se cumprirem as suas metas de desempenho com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as empresas estarão livres para explorar serviços em qualquer área no Brasil. Podem até se juntar em uma única empresa, como nos velhos tempos do monopólio estatal.

Os movimentos das empresas não se restringem a uma dança de cadeiras. A recente compra de uma parte do site Globo.com pela Telecom Italia [veja remissão abaixo] é um dos efeitos mais visíveis que as novas regras de 2002 provocarão nos jornais e revistas. As telefônicas tendem a avançar cada vez mais em cima das empresas de jornalismo em busca de contéudo (informações, entretenimento). Nessa onda de fusões e aquisições de telecomunicações e mídia, quem dará as cartas são as empresas de telefonia porque são as mais fortes financeiramente.

O ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta, morto em 1998, escolheu um modelo de privatização que, se não era equivocado, acabou na contramão do setor. A antiga Telebrás foi fragmentada em nove áreas para se criar um ambiente competitivo: três empresas de telefonia fixa, cinco de celulares e uma de longa distância. Para cada uma delas, haveria a concorrência de quatro empresas-espelho (três fixas e uma para longa distância) e de cinco na “banda B” do sistema móvel. O passo seguinte será a Banda C, mistura de cleluar e internet.

Na verdade, foi um modelo de privatização para facilitar a compra da empresa num período de escassez de recursos no mercado internacional. Poucos grupos teriam US$ 22 bilhões para levar a Telebrás de uma vez só sem o uso de troca de ações, que é o mais usual nas aquisições de hoje. Sérgio Motta anunciou a divisão em áreas quando já havia estourado a crise da Ásia, no final de 1997. A Anatel chegou a pensar num formato parecido com o da Argentina – duas empresas competindo no país todo. Mas venceu a fragmentação, e a competição não veio de forma equilibrada.

Quatro pernas

A maioria das empresas da banda B (telefonia celular) alcançou em média fatias de mercado na casa de 20%, com exceção da BCP, que tem uma disputa emparelhada com os portugueses da Telesp Celular na cidade de São Paulo. As famosas listas de esperada por linha telefônica eram ilusórias. Elas tiveram de encarar a infra-estrutura já instalada do antigo sistema Telebrás. Esses dados são da Anatel, relativos ao ano de 1999. As “espelhos” ainda engatinham, e somente a Intelig e a Vésper colocaram os serviços na rua.

As concorrentes da antiga estrutura Telebrás enfrentaram dificuldades porque o Brasil passou por um estagnação econômica em 1998 e 1999 e muitas delas se endividaram pesado no exterior, sendo atropeladas pela desvalorização do real que multiplicou as dívidas. Também as antigas teles estaduais enfrentram a crise econômica.

“Existe um modelo para o setor de telecomunicações brasileiro que foi desenvolvido para um mundo com muito mais empresas do que existe hoje. Tínhamos, por exemplo, na Europa a Vodafone e a Mannesmann e nos EUA a AirTouch como três empresas separadas, e hoje se tem uma empresa só”, explicou Ricardo Kobayashi, chefe da Área de Análise do Banco Pactual, na revista Conjuntutra Econômica [edição de abril de 2000]. A reetruturação, portanto, já vem sendo organizada no mercado.

As empresas jornalísticas serão arrastadas nessa onda de fusões que certamente vai varrer o mercado local. Segundo analistas de mercado, os grupos serão sustentados em quatro pernas: conteúdo, telefonia, crédito financeiro e software. É nessa estratégia que a Globocabo se juntou à Microsoft, Bradesco e Telecom Italia. O modelo se confirma em outras operações. A Agência Estado já fez uma parceria com o ZAZ-Terra, da Telefónica da España, dona da Telesp e da Telerj Celular. Os espanhóis contam com uma munição de US$ 25 bilhões, que é o valor do site Terra na Bolsa de Madri, e têm um parentesco com o Banco Bilbao Viscaya (BBV).

Na Argentina, a Telefónica arrebatou dois canais de televisão e está ávido por uma emissora no Brasil. Fala-se até numa sondagem junto ao SBT de Sílvio Santos. O emaranhado de participações acionárias causa vertigens. O grupo Estado, dono do jornal O Estado de S.Paulo, por sua vez, está na BCP (banda B na região metropolitana de São Paulo) e fechou uma participação acionária com a Globo para um website de imóveis. A Portugal Telecom levou esse ano o provedor ZipNet e negocia uma entrada no InvestNews, serviço on-line da Gazeta Mercantil.

Artigo 222

Uma das características dessas transações será a presença forte do sistema financeiro. Depois de muita conversa, o Itaú acertou a compra de uma parte da America OnLine (AOL) na América Latina, provedora de internet. A AOL mundial comprou a Time-Warner no começo desse ano. Nunca se deve esquecer a participação da família Setúbal na área de infomática, na Itautec.

Do mercado financeiro, também vem um dos mais vorazes grupos que estão de olho na internet: o Opportunity. A administradora de recursos do baiano Daniel Dantas está em sites (iG, NO), telefonia (Tele Centro Sul, empresa de telefonia fixa que vai de Santa Catarina ao Acre, passando pelo Distrito Federal) e sonha com uma expansão pela América Latina. Sócio do iG, o grupo Garantia Partners (GP) do empresário Jorge Paulo Lehmann está de olho no SBT e já comanda o site Submarino, além de empresas como a Ambev (cerveja Brahma) e as Lojas Americanas. Ex-donos do Banco Garantia, Lehman & cia estão ainda na Telemar, que vai do Rio de Janeiro à região Nordeste.

Sobre o futuro de toda essa movimentação, Ricardo Kobayashi especula: “O processo de fusão vai acabar fazendo com que estas empresas [de telefonia] acabem convergindo para um número menor de companhias, e o Brasil terá um número menor de opções. Por exemplo, se a Telecom Itália, a Telefônica da Espanha e a Portugal Telecom virarem uma empresa só, a Anatel terá um problema interessante”. Jornais e revistas vão pegar carona nesse movimento comandado pelas telefônicas e serão uma parte nessas megas-estruturas.

Uma pergunta é como fica a lei brasileira nessas mudanças todas, sobretudo a de defesa da concorrência e a de participação de estrangeiros em empresas de mídia no Brasil. A Câmara dos Deputados decidiu finalmente votar o projeto que altera o Artigo 222 da Constituição Federal e permite a participação de 30% do capital estrageiro. Mas, com os vários instrumentos de financiamento (ações, debêntures, commercial papers), a tendência é que o “cobertor fique pequeno” e a lei seja meramente decorativa ou legitimadora do todo esse emaranhado de associações.

Sem solução

Quanto à lei antitruste, o caso Ambev acabou com a legimitidade do Cade, o Conselho de Defesa da Concorrência. O órgão atropelou a lei da concorrência e legalizou o controle de 80% do mercado de cervejas no Brasil. Os críticos do Cade acusam-no de estar mais com uma orientação de política industrial do que jurídica.

Problema interessante a Anatel conheceu o ano passado e ainda tem dificuldades terríveis para resolver no setor de telecomunicações. A norte-americanas MCI e a Sprint decidiram se unir em um negócio de US$ 129 bilhões. A primeira controla a Embratel e a Sprint, a Intelig. De concorrentes em ligações de longa distância, elas se tornaram sócias que comandam o acesso à internet no Brasil. Isso mostra como o lado business na globalização supera toda legislação local. Essas empresas estão com tanta bala na agulha (poder e dinheiro) que a Anatel ainda não conseguiu dar uma solução para o caso. Corre-se o risco de chegar a janeiro de 2002 sem uma solução.

Na Europa, já se aposta em três grandes grupos: Vodafone, Deustche Telecom e Italia Telecom. Que ninguém se surpreenda com a volta do monopólio da telefonia no Brasil, como uma fatalidade das fusões no setor. Com o aceno de tantos dólares, as empresas jornalísticas ficarão sob o guarda-chuvas das grandes teles. Será interessante observar como ficará a relação entre a produção de notícias e os negócios de cada empresa.

(*) Jornalista