Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sem o benefício da dúvida começa o linchamento

Alberto Dines

O caso do cientista taiwanês Wen Ho Lee, massacrado pela mídia americana, tem alguns pontos capitais que a imprensa brasileira ainda não discutiu:

  • The New York Times, responsável pelas primeiras denúncias, embora tenha feito um esforço de checagem, basicamente apoiou-se nas informações vazadas pelo FBI de que Ho Lee teria passado segredos militares à China continental.
  • O FBI (polícia federal americana) é uma agência do Poder Executivo. Seu compromisso com a sociedade consiste em levantar provas que o Judiciário irá julgar. A imprensa (com outros compromissos e funções) não pode submeter-se aos desígnios específicos dos outros poderes. Sobretudo aqueles comprometidos com a investigação (caso das agências policiais e o Ministério Público).
  • Antes de acusar, a imprensa deve reunir um mínimo de evidências e provas. A imprensa não é tribunal, mas deve obedecer a um mínimo de ritos para não confundir sua ação com a da justiça sumária que condena antes de julgar.
  • O benefício da dúvida é um dos ritos iniciais e fundamentais nos procedimentos jornalísticos que envolvem a divulgação de suspeitas, denúncias e acusações.
  • Quando um veículo esquece de examinar a hipótese de que o acusado pode ser ou estar inocente, submete-se à Lei de Lynch e entra na arena dos linchamentos.
  • Dentro de uma redação, o responsável pela implantação e gestão do princípio da dúvida é o editor. O repórter – mesmo quando sinceramente empenhado em ouvir os dois lados – está apenas envolvido em levantar e apurar fatos. O editor está comprometido com o equilíbrio da cobertura.
  • O New York Times, além de deixar-se influenciar pelo FBI, atrelou-se ao lobby dos políticos interessados em explorar o caso. O legislador também não está comprometido em buscar a justiça, mas apenas em atender seus eleitores. Logo, a "repercussão" política de uma determinada acusação não é fator definitivo de aferição de sua veracidade.
  • Embora não tenha sido o único a vocalizar as denúncias, o jornalão novaiorquino considerou-se responsável pelo início da cruzada. E deu a mão à palmatória – da forma mais ostensiva possível. Seus dois editoriais são inequívocos e só o engrandecem.
  • As entrevistas e satisfações prestadas pelos editores e altos executivos do jornal a outros veículos fazem parte da política de "dar a cara": prestar contas à sociedade e acatar o debate.
  • O benefício da dúvida no exame de acusações e as explicações públicas sobre procedimentos controversos são marcas de veículos jornalísticos responsáveis.
  • O resto é onipotência e arrogância.

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