Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censura e lavagem cerebral

Cláudio Weber Abramo

A atitude da imprensa brasileira com relação a Freud é em geral desinformada. Os panegíricos publicados nos últimos tempos a respeito da efeméride freudiana mostram como os jornais e revistas do país ainda se prendem a um ponto de vista anacrônico em relação ao médico vienense e sua obra.

É possível que me engane, mas não li nada a respeito do fortíssimo ataque a que, no mundo desenvolvido, Freud tem sido submetido na última década. Não apenas antigas objeções metodológicas à psicanálise têm sido revisitadas com insistência e profundidade crescentes, como os procedimentos clínicos de Freud receberam arranhões profundos, como resultado de investigações conduzidas a partir de seus estudos de casos. Em vista de tais omissões, a comemoração dos cem anos de Freud foi uma reiteração do mecanismo de lavagem cerebral de que a própria psicanálise é acusada. Não se leu uma só matéria em que se procurasse responder à pergunta: afinal, psicanálise faz sentido? Psicanálise faz bem ou faz mal?

Metodologicamente, há muito tempo são favas contadas na filosofia da ciência que a psicanálise não se sustenta. Autores pertencentes às escolas mais disparatadas concordam em que, enquanto explicação do funcionamento da mente humana, ela não se sustenta. Quatro exemplos, entre centenas: Karl Popper, Morris Cohen, Clark Glymour, Rudolf Grünbaum.

Sob o ponto de vista clínico, Freud foi acusado de provocar deliberadamente em alguns de seus pacientes estados psíquicos "previstos" por suas idéias sobre interpretação de sonhos, desejos reprimidos, associação de idéias etc. Algo como a experiência que demonstra serem os ouvidos das aranhas situados em suas patas: vão se arrancando as patas uma a uma, ao mesmo tempo em que se exclama "pare!". Perdida a última pata, a aranha deixa de ser mover, e o experimentador declara estar a tese demonstrada.

Inutilidade, malefícios

Não pretendo, aqui, convencer o eventual leitor da inutilidade explicativa da psicanálise, nem expor os malefícios a que pode levar. O ponto é que o leitor comum brasileiro ignora quase tudo a respeito do que se possa dizer criticamente em relação a ela. E ignora, em parte, porque os veículos da imprensa são prisioneiros do grupo de interesse formado pelos psicanalistas. Freud é apresentado como um profeta, um desbravador, um introdutor de idéias revolucionárias no terreno da psicologia.

Já o espaço alocado a quem critique a psicanálise é nulo. Não se expõem os fatos a respeito da queda sistemática no número de profissionais da psicologia que ainda professam o freudianismo. O contraditório não tem voz.

Não é assim nos EUA, por muitos anos a pátria da psicanálise. Uma publicação acessível, que tem se ocupado sistematicamente da questão, é o New York Review of Books. Pode ser encontrado em boas livrarias, bem como no endereço http://www.nybooks.com. (Também vale para ver como é que se faz um jornal cultural de verdade.)

Algumas obras recentes que abordam criticamente a obra de Freud e a metodologia freudiana são:

  • Adolf Grünbaum: The Foundations of Psychoanalysis: A Philosophical Critique (University of California Press, 1984).
  • Malcolm Macmillan: Freud Evaluated: The Completed Arc (North-Holland, 1991).
  • Robin Tolmach Lakoff e James C. Coyne: Father Knows Best: The Use and Abuse of Power in Freud’s Case of ‘Dora’ (Teachers College Press, 1993).
  • Allen Esterson: Seductive Mirage: An Exploration of the Work of Sigmund Freud (Open Court, 1993).
  • John Kerr: A Most Dangerous Method: The Story of Jung, Freud, and Sabina Spielrein (Knopf, 1993).

Livros como esses não são nunca traduzidos para o português e muito menos resenhados nos jornais, pois, na hora de definir o que publicar na área de psicanálise, as editoras recorrem exatamente àqueles que mais teriam a perder com o desprestígio desta disciplina, ou seja, os próprios psicanalistas. Eles exercem uma censura de ferro sobre a galera, procurando ao máximo evitar que vozes discordantes sejam ouvidas. Beneficiam-se, nesse mister, da ideologia relativista dominante, segundo a qual a crítica é considerada coisa de mau gosto. Os jornais vão pelo mesmo caminho.

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