Chico Anysio, acredite, já foi o queridinho das esquerdas. Era considerado da linha justa, politicamente correto, figurinha obrigatória nos manifestos de intelectuais. Alguma coisa de grave deve ter acontecido nos últimos anos para o humorista da Globo trocasse de pedestal. Agora é "do outro lado".
Há quem atribua a mudança da imagem do astro ao seu casamento com a ex-ministra de Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello. Outros querem ver por trás da mudança de tratamento as imponderáveis "coisas da vida". Está por baixo e quem está por baixo não merece apoios.
Quaisquer que sejam os motivos, Chico Anysio foi inteiramente abandonado no recente embate com a TV Globo [veja remissões e Aspas abaixo].
Na avaliação do episódio é preciso levar em conta o que antigamente se chamava de "correlação de forças" – a mídia cartelizou-se em torno de uma grande parceria e a esquerda ou os intelectuais de esquerda (que não são trouxas) entregaram-se ao doce embalo da cooptação: calaram o bico. Não querem irritar o patronato e perder a boca-rica.
Não importam o teor ou as razões que se escondem atrás das críticas e queixas do humorista ao seu empregador, registradas em entrevista publicada em IstoÉ [remissão abaixo]. Importa sim, e muito, que um intelectual seja punido publicamente por criticar o veículo empregador. Incomoda sim, e muito, que a reprimenda pública a Chico Anysio tenha saído nas primeiras páginas dos jornalões e a sua pronta contestação tenha sido "maneirada" sem o mesmo destaque.
O que está em jogo nesta questão não são as picuinhas internas da nossa vênus platinada, nem os índices de audiência ou a concorrência entre as redes. O que está em jogo é o direito de manifestação de um profissional de comunicação. Isto não sensibiliza os radares daqueles que se investiram na condição de vanguarda do povo.
"Como artista, meu único patrimônio é meu direito de pensar e dizer, já que, por ser um criador, isto é uma qualidade inata. A este patrimônio não renuncio, mesmo em tempo de censura, como agora".[Chico Anysio]
O episódio flagra uma situação preocupante: a chamada "consciência crítica" deste país agora é seletiva. Reduziu e reduziu-se ao embate sazonal governo-oposição, o resto ficou secundário. Os expoentes da mídia decidiram relativizar aquilo que o seu instinto democrático deveria prontamente rejeitar.
Bons salários relativizam qualquer coisa.
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