Paulo Polzonoff Jr. (*)
Não, meus senhores, a inteligência não morreu. Prova disso é a figura polêmica do professor Olavo de Carvalho, autoproclamado filósofo, cujas idéias têm encontrado ressonância em publicações de porte, como as revistas mensais Bravo! e República, além da semanal Época e do Jornal da Tarde. Dono de um estilo que faz lembrar os bons tempos de Paulo Francis, Olavo de Carvalho bate em todos, com estilo: na esquerda, no MST, na Academia, nos bacharéis de filosofia e no catolicismo populista hoje em voga. Este admirador de Aristóteles e inimigo ferrenho do marxismo concedeu a seguinte entrevista, publicada originalmente com
cortes significativos, por questões de espaço, no Jornal do Estado, do Paraná. Aqui, a íntegra da entrevista.
O senhor tem travado verdadeira batalha contra o academicismo no Brasil. Por que a academia é tão perniciosa para o pensamento brasileiro?
Olavo de Carvalho – Porque, durante a ditadura militar, o governo, movido talvez por um complexo de culpa, deixou as universidades totalmente à mercê dos caprichos da esquerda, que imediatamente as transformou em escolinhas de formação de militantes. Hoje a produção da universidade brasileira em ciências sociais, em letras e em filosofia se tornou, na sua quase totalidade, pura propaganda política, do nível mais rasteiro.
Que tipo de influência teve o pensamento marxista no condicionamento do pensamento acadêmico no Brasil?
Olavo de Carvalho – Na Europa, o marxismo, como dizia Raymond Aron, era o ópio dos intelectuais. Aqui tornou-se a cachaça dos pseudo-intelectuais. O marxismo, de tanto ser divulgado em manuais de propaganda, tornou-se fácil de absorver em fórmulas prontas, e isto o torna peculiarmente atrativo para pessoas incapazes de trabalho intelectual sério. Se o sujeito tem alguma exigência mais profunda, logo ele acaba entrando em conflito com as fórmulas prontas, mas aí a coisa fica pior ainda, pois as melhores energias do seu cérebro serão gastas numa luta para, como se diz, "resgatar o marxismo autêntico". Como o marxismo é uma filosofia intrinsecamente absurda e autocontraditória, esse esforço mantém o sujeito envolvido, pelo resto de sua vida, em enigmas sem solução, que alimentam discussões bizantinas. Participar dessas discussões, ser um membro do "círculo interno" dos debatedores de marxismo, é a ambição mais alta a que pode aspirar o jovem estudante. É um mecanismo hipnótico e auto-reprodutor, feito para manter as inteligências presas para sempre na jaula marxista, seja pelo comodismo, seja, ao contrário, pela parasitagem das iniciativas. Só para dar uma comparação: Eric Voegelin, o filósofo mais importante da segunda metade do século, conta que, quando jovem, numas férias de estudante, leu O Capital e virou marxista; no semestre letivo seguinte, estudou teoria econômica, viu que o marxismo era uma bobagem descomunal e se livrou dele para sempre. Nossos estudantes, em vez de teoria econômica, estudam mais e mais marxismo e nunca saem de dentro da jaula. Ficam escondidinhos, com medo de encontrar objeções. Por isto só lêem (quando lêem) os autores antimarxistas de segunda ordem, inofensivos, permitidos por seus mestres comunistas. Jamais enfrentam um Voegelin, um von Mises, um Hayek, porque sabem que seriam transformados. O que Voegelin resolveu em poucos meses dura, para eles, uma vida inteira.
O que o senhor sugere que se faça nas universidades? Privatizá-las é a solução?
Olavo de Carvalho – Sinceramente, não sei. Não tenho uma solução global. O que sei é que, pelo menos, é necessário incentivar a atividade intelectual séria fora das universidades, para que elas se sintam intimadas a tomar vergonha.
O jornalista Paulo Francis dizia que o Brasil é o único país do mundo que ainda leva o comunismo a sério. O senhor concorda?
Olavo de Carvalho – Certamente não. No Brasil o comunismo tem um prestígio anormalmente vasto, mas isso não quer dizer que tenha desaparecido por completo no resto do mundo. Os intelectuais mais sérios já abandonaram o comunismo há muito tempo, mas as universidades são inesgotáveis produtoras de pseudo-intelectuais, aqui e em, outros países. Há muitos comunistas nas universidades americanas e muitos mais nos organismos internacionais, ONU e Unesco, tentando fazer a revolução por meio da burocracia. São, evidentemente, os últimos espasmos do moribundo. Mas o cadáver ainda é bastante grande para que sua decomposição contamine muita coisa em torno. A diferença brasileira é que aqui os comunistas têm uma perspectiva de
tomada do poder, da qual praticamente já desistiram em outros países.
O senhor também tem travado uma batalha dialética incessante contra o MST, na figura de seu principal líder, o Stédile. O senhor é contra a reforma agrária? Se não, por que o senhor é contra este movimento que todos têm como "o mais importante movimento popular da história brasileira" (sic)?
Olavo de Carvalho – Meus alunos são testemunhas de que há décadas eu próprio defendo a ocupação de terras improdutivas. Mas os srs. Stédile, Rainha, Gorgen e tutti quanti não querem terra coisa nenhuma, exceto se for para sepultar seus desafetos, cada um com uma bala na nuca como era o costume na URSS. A prova é que, quanto mais terra se dá ao MST, mais ele fica revoltado e mais vai passando das reivindicações agrárias à pregação direta da revolução comunista e do morticínio redentor. Hoje restam apenas 200 mil sem-terra, os outros – três
milhões de agricultores – já receberam suas áreas e se transformaram em "com terra". Por que, com toda essa terra, o MST não dá nenhuma contribuição significativa à produção agrícola? Por que os demais agricultores são obrigados a manter taxas de produtividade, enquanto o MST, o maior latifundiário improdutivo do país, não tem de produzir senão guerrilheiros e confusão?
A esquerda tem alguma chance no Brasil? Ou seja, o senhor não acha que luta contra moinhos de vento?
Olavo de Carvalho – A esquerda tem mais chance aqui do que qualquer outra corrente política. Seu principal trunfo é a indiferença cúmplice e oportunista dos EUA e de outros países ricos. Após a queda da URSS, os movimentos comunistas no Terceiro Mundo deixaram de ser perigosos para os países que dominam o mundo, mas continuam sendo um perigo para os Estados locais mais fracos, cujo desmantelamento interessa, até certo ponto, à estratégia globalista. Os comunistas tornaram-se úteis a essa estratégia, e por isto chove dinheiro das fundações americanas e da Comunidade Européia para os movimentos revolucionários na América Latina. O comunismo é hoje aliado do imperialismo, com a vantagem de ainda poder se prevalecer do prestígio decorrente de sua antiga aliança com as correntes nacionalistas, enganando todo mundo.
Numa entrevista à revista República, o senhor disse que o comunismo tinha algo de satânico. Explique melhor esta afirmação.
Olavo de Carvalho – Karl Marx, na juventude, foi membro de uma seita satanista e, segundo sua empregada e amante Helene Demuth, ainda na maturidade fazia em casa estranhos rituais. Esse fato foi meticulosamente escondido pelo governo soviético, depositário dos manuscritos e da correspondência de Karl Marx. Quem esteja interessado no assunto pode ler Marx and Satan, de Richard Wurmbrand (parece que há uma tradução brasileira, aliás publicada por uma instituição evangélica aí do Paraná). Ademais, permanece a advertência de Jesus: "Pelos frutos os conhecereis." Pelo número de pessoas que matou no altar de um projeto intrinsecamente absurdo, o comunismo supera a totalidade dos flagelos que se abateram sobre a humanidade no século 20; some às vítimas das ditaduras de direita os mortos de duas guerras mundiais, de todos os terremotos, epidemias e desastres aéreos, e ainda estará longe de alcançar o total de vítimas do comunismo. Essas vítimas morreram, literalmente, por nada, por uma piada sinistra.
Nesta mesma entrevista o senhor causou polêmica com a afirmação de que o trabalho infantil não faz mal a ninguém…
Olavo de Carvalho – Saí da escola aos 15 anos e fui trabalhar. Aprendi muito mais no trabalho. Quando voltei a estudar, tinha a disciplina e a firmeza de um trabalhador, que a escola jamais me ensinaria. E hoje as escolas são piores do que naquela época. São instrumentos de imbecilização, quando não de perversão das almas infantis. O trabalho, desde que não seja forçado e que não seja incompatível com a fragilidade infantil, é uma escola muito melhor. Nos EUA, as escolas já se tornaram instrumentos para a pregação aberta e descarada da pedofilia. Milhares de famílias já se recusam a enviar seus filhos para as escolas, por medo de que caiam vítimas de políticas educacionais perversas. Sobretudo, considero uma violência a escolaridade obrigatória, hoje defendida como um dogma por pessoas que ainda ontem se diziam adeptas da liberdade. Leia Sociedade sem escolas, de Ivan Ilitch, e compreenderá do que estou falando. A crítica da escolaridade foi um dos elementos essenciais da pregação esquerdista dos anos 60, que hoje traiu seus ideais e se tornou adepta da dominação burocrática das almas infantis por meio da escola.
O senhor tem atacado bastante o catolicismo populista. Qual a influência do Concílio Vaticano II para certa decadência do catolicismo?
Olavo de Carvalho – O concílio não mexeu em coisas que deveriam mudar, como o celibato clerical, e em compensação remexeu levianamente coisas que deveriam permanecer intocadas, como por exemplo o texto da missa. Não acredito que esse concílio tenha sido inspirado pelo Espírito Santo, pois já nasceu comprometido com a mentira: no começo de 1962 o Vaticano e o governo de Moscou assinaram um pacto secreto em que a Igreja se comprometia a nada dizer contra o comunismo durante o Concílio. Foi uma cumplicidade criminosa com o morticínio que, àquela altura, crescia dramaticamente na China. A Igreja tentou manter secreto esse acordo, mas o próprio cardeal que o assinou acabou por divulgá-lo. Pelos frutos os conhecereis: o Concílio descristianizou o Ocidente.
Por que Aristóteles é tão atacado pelos intelectuais ditos agnósticos ou ateus? A filosofia de Aristóteles é tão indissociável assim do cristianismo?
Olavo de Carvalho – O problema com Aristóteles é que, num número impressionante de casos, ele tem razão. Isso humilha muitas pessoas, que então não têm remédio senão repetir o que ele disse, mas ao mesmo tempo falando mal dele para disfarçar a cópia. Não há uma só teoria científica importante, nos últimos 200 anos, que não esteja ao menos prefigurada em Aristóteles, incluindo a física relativista, a ressonância mórfica, a teoria das catástrofes e a nova genética. Aristóteles é um gênio tão assombroso – só rivalizado, de longe, por Leibniz –, que certos místicos muçulmanos chegaram a considerá-lo um profeta. Em torno dele há portanto uma conspiração de invejosos, que não termina nunca. E com relação às novas técnicas científicas que vão na contramão da religião e às questões mais profundas como a existência ou não da alma, eternidade, estas coisas? Afinal, parece inviável pensar em alma e eternidade com a ovelha Dolly pastando por aí. Para pessoas que imaginam que alma é uma substância enxertada no corpo desde fora, é realmente inviável. Mas, para quem estudou o De Anima de Aristóteles, a ovelha Dolly é a obviedade das obviedades, só não produzida antes por falta de meios técnicos. Em geral as discussões religiosas são de muito baixo nível, de parte a parte, e só ajudam a confundir a mente popular. Para abreviar a explicação: a alma, dizia Aristóteles, é a forma do corpo – forma não no sentido visual de figura, mas no sentido interior de "fórmula", ou algoritmo. Essa fórmula, simplesmente, não pode ser destruída pela morte do corpo, assim como a estrutura interna de uma música não é destruída quando ela parou de tocar. Ela continua, eternamente, inscrita no "código" universal, sempre idêntica a si mesma. Nada pode reforçar mais a doutrina da eternidade da alma do que a nova genética.
Como filósofo, o senhor tem uma postura otimista ou pessimista com relação ao futuro da humanidade?
Olavo de Carvalho – Nunca houve uma religião otimista, um profeta otimista, um santo otimista. Moisés, Buda, Cristo e Maomé jamais foram otimistas. O otimismo é para os demagogos e as agências de publicidade. Devemos enfrentar a vida com um pessimismo viril, como os santos da Igreja ou os sábios estóicos. O pessimismo inclina à compaixão, à bondade, à tolerância, à paciência. O otimismo gera as ilusões insensatas, os sonhos prometéicos de futuro em nome dos quais os tiranos matam milhões de pessoas. O otimismo é a ideologia dos assassinos.
(*) Jornalista
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