IMPRENSA AUTOMOTIVA
V. G.
Depois de tanta expectativa, após o anúncio do recall do Corsa e do Palio 1.0, sai a Quatro Rodas com o teste de impacto dos quatro principais automóveis populares brasileiros. A revista prefere chamar o teste de impacto de crash test.
Quatro Rodas testou os automóveis Corsa, Fiesta, Gol e Palio. Na ocasião, já era praticamente certa a decisão da GM de realizar o recall de todos os automóveis Corsa para acrescentar um kit na sistema de fixação do cinto de segurança.
Foi exatamente esta a peça que se rompeu, no Palio da Fiat, no teste simulado realizado pela revista, de acordo com o padrão americano. Mas com a anuência de engenheiros de todas as montadoras envolvidas.
O texto de José Carlos Marão, publicado na edição anterior deste Observatório da Imprensa é mais do que elucidativo.
Mas restam perguntas, ou sugestões de pauta:
* Quatro Rodas faria este teste se não houvesse nos bastidores os comentários sobre o possível recall do Corsa?
* A revista mostrou que todos os carros testados poderiam ter um sistema de segurança muito melhor. As mudanças serão cobradas?
A GM informa que o recall do Corsa se deve à fadiga de material, fenômeno que só ocorre no Brasil. A mesma peça, em todo o resto do mundo, funciona sem problemas. Buracos, lombadas, quebra-molas que povoam nossas ruas provocariam a antecipação desta fadiga. Ora, se o problema é de fadiga de material, antes de desenvolver o kit (que demorou mais de um ano), a GM não poderia trocar a peça, por exemplo, a uma certa quilometragem ou a um determinado período de tempo de rodagem?
A própria Quatro Rodas optou por omitir os resultados do impacto do Palio sobre o passageiro, sob a alegação de que "a quebra da base do cinto não retrata uma situação normal". Se, em vez de um teste simulado, fosse um acidente real, nas mesmas condições, os efeitos sobre o automóvel e o passageiro não seriam assemelhados?
ESPÍRITO SANTO
V. G.
O jornal A Tribuna, do Espírito Santo, comeu mosca ao tratar do concorrente e foi obrigado a desmentir-se. No dia 1º de novembro, duas colunas de pequenas notas do tablóide capixaba davam conta de que o ex-ministro gaúcho Carlos Chiarelli estaria no estado para tratar das negociações para a ampliação da participação acionária do grupo RBS na Rede Gazeta de TV. O grupo RBS detém, desde os anos 70, cerca de 30% das ações da TV Gazeta, empresa da Rede Gazeta (que conta com dois jornais diários, A Gazeta e Notícia Agora, além de emissoras de rádio e TV)
Em 2 de novembro, as mesmas colunas que publicaram a informação deram o desmentido.
Em nota oficial, a Rede Gazeta afirmou no jornal A Gazeta que o jornal A Tribuna cometera "dupla leviandade".
"Primeiro – diz a nota da Rede Gazeta – porque é regra elementar do bom jornalismo que as informações sejam checadas com a fonte, o que não foi feito. Segundo, porque espalhar boato sobre um concorrente situa-se na marginalidade da ética."
ASPAS
"Imprensa mimada", copyright Diário do Grande ABC, caderno Automóveis, 1/11/20
"Uma saudável discussão vem tendo lugar na mídia, por conta da iniciativa de um jornalista mineiro – Márcio Fagundes, do Hoje em Dia (3/10/00) – que, digamos, resolveu colocar o dedo na ferida. Indignado com o comportamento festivo e pouco ético de alguns coleguinhas da imprensa especializada que estiveram no lançamento do Volkswagen Bora, em Puebla, México, Fagundes retomou a antiga polêmica dos jabás (gíria que no meio jornalístico designa presentes dados pelas empresas aos profissionais), assunto sobre a qual as montadoras se esmeram mais e mais.
Em troca de presentes, viagens e tudo o que, enfim, a criatividade do marketing da indústria automobilística permite, boa parte dos jornalistas do setor torna-se difusora de um determinado ponto de vista, ou de um modo de pensar, cujo fundamento é jamais criticar qualquer um dos aspectos do automóvel lançado. Esse pacto silencioso entre montadora e jornalista muitas vezes ocorre à revelia do orgão de imprensa representado. Mas permite que o beneficiado sinta-se no direito de deitar e rolar sobre o frigobar do hotel, de reclamar de ‘perder tempo’ em fila de check-in e de, enfim, colocar defeitos e mais defeitos no trabalho das assessorias de imprensa, inesgotável no sentido de promover uma boa relação de mordomias a cada novo evento. Isso sem contar, algumas vezes, o comportamento irresponsável e ousado durante os testes de veículos, em que a fábrica oferece o produto para que a avaliação seja feita do ponto de vista do consumidor. Histórias de acidentes em lançamentos de automóveis são raras, mas nem por isso deixam de fazer parte da relação entre fábricas e jornalistas.
Pois bem. Por conta de tanto privilégio e ousadia, a indústria passou a contar, historicamente, com um clube fechado de profissionais, com representantes de órgãos de imprensa de todo o país, que acompanha seu trabalho. Há de se ressaltar, no entanto, que nem todos os jornalistas partilham desse acordo rico em significados de entrelinhas, preferindo preservar a independência e a credibilidade dos órgãos de comunicação para os quais trabalham. Além de vir dos profissionais éticos, afinal bons jornalistas existem em todos os segmentos, a crítica – pouco freqüente, é verdade – fica por conta também dos trabalhadores de outras áreas que eventualmente cobrem esse tipo de evento – considerados como outsiders pelo seleto clube.
No que concerne à agenda recente da indústria automobilística, um importante evento, se levado em conta apenas o critério da informação, foi o lançamento do motor Zetec Rocam pela Ford. Sem o empenho de fazer uma grande viagem regada a vinhos, shows e hotéis luxuosos, e apesar de trazer na manga mais uma vez um presente para recordar a reunião, a montadora simplesmente convidou os jornalistas para um café da manhã em Aldeia da Serra, região de Barueri, onde sua equipe técnica efetivamente dissecou o então novo propulsor dos carros da marca. Os profissionais tiveram também a oportunidade de comparar exaustivamente o desempenho do produto com a concorrência, concluindo em geral pelas boas qualidades da geração de propulsores 1.0 e 1.6. Assim, os elogios rasgados, mas com argumentos frágeis, puderam ser trocados por uma avaliação fundamentada, prestando-se, em última análise, um melhor serviço ao leitor. Esse exemplo, portanto, fica como uma prova de que as montadoras podem aprimorar sua relação com a imprensa, voltando-se mais para a qualidade da informação e menos para a perfumaria, que é tão importante para alguns coleguinhas.
Outra frente de resistência ao que podemos chamar de ‘envolvimento emocional’ entre imprensa e montadora está na postura de novos profissionais que chegam ao setor, quase sempre recebidos com um pé atrás pelo clubinho. Recentemente, a Volkswagen fez uma mudança em seu Departamento de Imprensa, que deve significar uma maior profissionalização dessa relação. A montadora contratou um gerente de Comunicação, Raul Viana, que já na viagem ao México mostrou que pretende mudar os velhos conceitos que imperam na cobertura da indústria automobilística. O objetivo de Viana, embora devesse parecer óbvio para alguém de fora da indústria, é tão-somente oferecer boas condições de trabalho aos profissionais que aceitam esse tipo de viagem apenas para informar seus leitores, com a maior isenção possível, sem se preocupar em retribuir os agrados recebidos.
É claro que pode soar contraditório esboçar uma nova postura em meio a uma ‘viagem jabá’, mas isso, com certeza, já é um começo para mudar uma prática arraigada por décadas e praticamente em todo o mundo, afinal, não é só no Brasil que a imprensa automotiva é mimada."
Leia também
Montadoras, recalls e jabás – José Carlos Marão
A boca livre – Márcio Fagundes (segunda nota)
Imprensa em Questão – texto anterior