Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Thomas L. Friedman

ASPAS

ORIENTE MÉDIO

"Um moderno ritual de sacrifício", copyright O Globo, 1/11/00

"Ramallah, Cisjordânia. Eis um dia na vida de Israel e da Palestina. Cheguei a Jerusalém vindo de Hong Kong, às 5h. O taxi me deixou na porta do Hotel Rei Davi. O lobby está completamente escuro e vazio. Nenhuma alma, nenhum funcionário, nem um rato. ‘Olá!’ grito no escuro, imaginando se meu agente de viagens estava enganado e o hotel fora fechado. Finalmente um funcionário aparece. O hotel dispensou a maior parte dos empregados porque o turismo na região está morto. ‘Sou o único aqui?’ pergunto. O empregado apenas ri.

Na manhã seguinte dirijo-me para Ramallah com um amigo jornalista palestino. Quando chegamos à entrada da cidade, encontramos um conflito. Soldados israelenses protegem-se atrás de carros de combate, enquanto atiram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha e de verdade contra jovens palestinos. Estes arremessam pedras e pedaços de mármore protegidos por uma pilha de carros queimados. Atrás deles, cinco ambulâncias estão estacionadas. Quando um palestino é atingido, a ambulância o leva em disparada até um hospital, como um gladiador romano retirado da arena. Ao fundo, 300 palestinos de várias idades apenas observam a cena.

Damos a volta e passamos a ver o conflito do lado palestino. Logo depois de chegarmos, uma bala atinge uma menina na perna, que é levada para ambulância. Jovens vestindo jaquetas de couro e armados com rifles automáticos – parecendo figurantes do filme ‘West Beirute’ – atiram nos soldados. No topo de um prédio, uma equipe de TV Al-Jazira, do Qatar, transmite a cena ao vivo para o mundo árabe. Dobrando a esquina, idosos fumam narguilé, sem dar atenção ao conflito.

Você se sente assistindo a um moderno ritual de sacrifício. Os palestinos parecem não ter escrúpulos de colocar seus jovens na linha de tiro, e os soldados israelenses não parecem ter escrúpulos em atirar.

Vamos para o Hospital de Ramallah. As 20 pessoas na emergência vêem os rapazes serem trazidos. O clima é uma mistura de orgulho e terror. Um jovem deitado numa maca parece feliz por ter sido baleado e ter sobrevivido. O rapaz seguinte não foi tão feliz: foi atingido no rosto e no peito. Os médicos cortam suas roupas, sob os olhares dos pacientes. Mais ambulâncias chegam, mais mártires. Feridos são bons, mas mártires são melhores porque viram imagens na mídia e geram pressão sobre Israel.

Esta guerra doentia mostrou algumas verdades. Primeiro: a propaganda israelense de que os palestinos se autogovernam na Cisjordânia não é correta. É verdade que os palestinos controlam suas cidades, mas Israel controla as estradas que ligam as cidades e, logo, seus movimentos. O confisco de terras palestinas para mais assentamentos israelenses continua até o dia de hoje – sete anos após os Acordos de Oslo. Não existe esperança de paz para a região sem um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia.

Segundo: pensar que os palestinos estão irados apenas com os assentamentos também não é verdade. Converse com os adolescentes. Sua revolta não é apenas com as colônias, mas com Israel. A maior parte dos palestinos não aceita que judeus tenham direito de estar aqui. Por esta razão, nenhum Estado palestino a ser criado deverá ter permissão para ter armamentos pesados. Se os palestinos os tivessem hoje, seus extremistas os estariam usando contra Tel Aviv. Esta guerra é também uma revolta dos jovens contra a tirania corrupta de Yasser Arafat, que desviou a ira deles para Israel para afastá-la de si mesmo.

Os dois lados tentam a paz, mas querem manter seus mais caros mitos. Para Israel é a noção de que poderá conservar os assentamentos. Para os palestinos, de que poderão ter a terra de volta mantendo a rejeição a Israel. Este mais recente conflito atingiu ambas as ilusões, e as negociações deveriam ser retomadas apenas quando as partes admitissem isto para si mesmas."

"‘A manchete todo dia é sobre a violência’", copyright O Globo / Newsday, 3/11/00

"Jerusalém. Maher E. el-Sheikh, com o cansaço visível nos olhos e um cigarro sempre entre os dedos, começa uma nova jornada de dez horas como editor-chefe de ‘Al-Quds’ – embora pequeno, o jornal árabe mais vendido em Cisjordânia, Jerusalém e Gaza.

Não são apenas as longas horas de trabalho que cansam el-Sheikh.

– Tenho repórteres em Ramallah que não conseguem chegar à redação. Cinco dias atrás não podia distribuir o jornal em Gaza. A publicidade está tão baixa que caímos de 36 para 20 páginas – diz el-Sheikh que, como seu pessoal e leitores, é palestino.

Desde a explosão da violência no mês passado, funcionários do Governo israelense têm acusado a imprensa palestina de incitar a revolta.

Mas el-Sheikh, que acha seu jornal constantemente imprensado entre extremos, descreve-se como um moderado, mas moderado palestino.

– A manchete todo dia é sobre a violência. Quase todas as reportagens estão relacionadas a isso. São notícias palestinas para palestinos – diz o editor-chefe.

Com uma circulação de 35 mil exemplares – o que, segundo el-Sheikh, representa 200 mil leitores – ‘Al-Quds’ (nome árabe para Jerusalém) é o maior dos três jornais árabes que circulam em áreas palestinas. A notícia mais delicada com que el-Sheikh teve que lidar, e que chocou israelenses e ocidentais, foi o linchamento de dois soldados israelenses três semanas atrás em Ramallah.

– Noticiamos o fato como qualquer outro, mas não publicamos fotos – conta.

A reportagem era bem menor do que uma sobre o menino de 12 anos morto a tiros por soldados israelenses em Gaza. E nem todos os funcionários demonstram moderação.

– Não pode haver um equilíbrio – diz Mohammed Noubani, de 42 anos, repórter e comentarista político. – Os palestinos têm pedras e armas simples, enquanto os israelenses nos matam com tanques e helicópteros. Não existe conflito entre nós e a Autoridade Nacional Palestina. Sentimos que Israel quer nos matar.

Alguns jornalistas enfrentam problemas causados pela paixão abraçada por muitos repórteres.

– Os jornais são censurados por israelenses, por palestinos e pela própria auto-censura – diz um jornalista chamado Wahid. – Mesmo que repórteres palestinos tentem ser objetivos, a linguagem usada não é.

O exemplo mais visível é a palavra usada para os que morrem nos conflitos: shaheedin, ou mártires. Por outro lado, Wahid lembra que os censores israelenses já não cortam mais o termo."

DOS TELESPECTADORES

Mensagens recebidas pelo programa Observatório na TV a propósito do conflito no Oriente Médio

Quando criança, aos 12 anos (+ ou –), vi pela televisão cenas do golpe do Chile, do "gorila" Pinochet, dentre elas a morte de um cinegrafista, sueco, se não me engana a memória. Ele filmava as ruas no Chile, Santiago, eu acho, e filmou um soldado num carro atirando contra ele próprio. Filmou sua morte. Nunca mais esqueci aquela cena, embora o mundo parece ter se esquecido dela rapidamente. Claro: vi muitas coisas pela TV. Coisas lindas e trágicas, difíceis ou impossíveis de esquecer. Agora, entre Palestina e Israel, voltei a ver uma cena que nunca mais esquecerei: a de um pai com seu filho, tentando em vão se esconder e proteger do tiroteio. A criança sendo morta e o pai ferido… foi duro demais de assistir. Como a mídia pode estar tão envolvida e ser neutra? Como mostrar as razões de Israel e as dos palestinos? Sou muito simpático ao movimento palestino e respeito as questões israelenses. Um abraço.

Recife, PE

Por que a mídia não faz uma relação com a ocupação de Israel (faixa de Gaza, Libano etc) e a tentativa de ocupação do Kwait pelo Iraque, já que a ONU condenou Israel, e faz tempo, porém não houve boicote, nem embargo econômico contra Israel, por outro lado o Iraque está sofrendo um embargo desumano, pior do que o sofrido por Cuba.

Quando ouvi Iasser Arafat dizer: “Go to hell”. Acho que palestinos e israelenses querem um fim disso tudo, mas de certa forma, o espetáculo é bastante frutífero para a imprensa mundial, acho eu. Creio nisso porque noto uma certa euforia , quase que involuntária, por parte de toda a imprensa mundial. Como diz o caipira, “é assunto para assuntar”.

Leia também

O termômetro da mídia – Alberto Dines

No limite da barbárie – A.D.

Cobertura tendenciosaMonitor, The Jerusalem Post, 16/10/00

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