Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A gloriosa posse de herr Papau

MÍDIA REGIONAL

Paulo Augusto (*)

O livro do jornalista Lucas Figueiredo, Morcegos Negros (Record), [veja remissão abaixo] retrata as tramas da verdadeira organização criminosa que tomou conta do país à época do governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), sob o comando geral de um chamado Esquema PC, cujo cabeça era o empresário alagoano Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor. No livro ficam evidenciadas as conexões do Esquema PC com o crime organizado internacional. O esquema faturou, segundo cálculos da Polícia Federal, nada menos que US$ 1 bilhão, sobressaindo-se a participação efetiva não só do empresariado e de autoridades, como de mafiosos italianos pertencentes a uma das maiores redes internacionais de narcotráfico.

"A ação desse grupo acabou envolvendo funcionários públicos, empresários, industriais, comerciantes e particulares num quadro de corrupção, concussão, exploração de prestígio, extorsão e usurpação de função, entre outros crimes, com total desapreço aos princípios que regem a administração pública", documenta o inquérito-mãe do caso PC Farias transcrito por Figueiredo.

Na verdade, diz no prefácio o jornalista Clóvis Rossi, o que se revela é o resultado "da ocupação do poder – de todos os espaços possíveis de poder – pela máfia". Rossi adverte, em tom melancólico: o livro não se constitui numa espécie de peça de arqueologia jornalístico-literária, que revisita idos de um passado distante. "Trata-se de uma espécie de dissecação das entranhas de um sistema de poder apodrecido ao ponto do inimaginável." E complementa, como um aviso: "Não é o Brasil de ontem que está retratado no livro. É um Brasil ainda muito presente." Uma trama, diz Rossi, que aponta, ao final, para a impunidade generalizada, a incompetência, má vontade ou falta de recursos para se investigar o que quer que seja no Brasil, e para a complacência com a criminalidade e a convivência de empresários, supostamente homens de bem, com esquemas inequivocamente mafiosos.

Veja-se o processo de indicação, como conselheiro do venerando Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE), do irmão do governador Garibaldi Alves Filho, o ex-secretário de Governo Paulo Roberto Chaves Alves (Papau). Ele desnuda o paradigma da política no RN. Dentro da engenharia do sistema governista, Papau seria lançado como deputado federal, diz o Diário de Natal de 1º de novembro. Para acomodar parentes que disputarão cargos eletivos em 2002, indicou-se o conselheiro Nélio Dias, que requereu aposentadoria, ganhando, em troca, a Secretaria da Agricultura e a oportunidade de candidatar-se à Câmara Federal.

Cândida notícia

Papau fora punido pelo TCE a pagar multa de 1.000 Ufirs por irregularidades na prestação de contas de despesas referentes a mordomias na residência oficial do governador. Mesmo saboreando a luxúria das emoções que antecedem seu assentamento numa cadeira que lhe dará status de plenipotenciário, num cargo vitalício e bem-remunerado, que em passado recente recebia a alcunha de "ministro do tribunal", Papau não se fez de rogado. Destemperado, deixou transparecer publicamente o grau de seriedade com que é encarado pelo clã dos Alves o sacrossanto TCE. Nas razões de defesa apresentadas aos conselheiros, Papau dirigiu duras críticas àquela corte e aos seus integrantes, futuros colegas. Questionou "a maneira abusiva do comportamento dos analistas do Corpo Instrutivo do Tribunal que, deixando à margem a sua competência de apenas informar, oferecem juízo de valor sobre as despesas", conforme relata o Jornal de Hoje de 19 de outubro.

Para reforçar, Papau recorreu ao administrativista Ivan Barbosa Regolin e fez comentários sobre "essa tremenda empulhação, exemplo de moralismo fácil e próprio de discurso de colação de colegiais, com forte coeficiente de hipocrisia indisfarçável de fariseus a quem aparentemente falta o que fazer – fariseus desempregados talvez". Os conselheiros ficaram beges. Mas Papau tinha suas razões. Razões de Estado e, como tais, as fez ver aos seus futuros pares. Precisava, na condição de primeiro-irmão, defender e enfatizar a honra do governador. Que "não é uma pessoa comum", como destacou. "A mordomia – perorou -, ao contrário do que pensa o Corpo Instrutivo do Tribunal, não pode simploriamente ser vista como contrária aos princípios que devem nortear a gestão pública e que, por isso, carece de legitimidade. Pensar assim é querer tratar um Chefe de Executivo como uma pessoa comum, o que não é, seja pelo assédio que recebe diuturnamente, seja pela representatividade que possui."

No dia 24, o JH informava que o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Álvaro Dias, que também enxerga no TCE um generoso abrigo para concluir sua carreira política, já garantira 20 votos favoráveis à aprovação. "Estou conduzindo as articulações pessoalmente", disse o presidente da AL ao JH. A eficiência tinha suas razões, e as explicou o JH de 30/10: para a próxima vaga de conselheiro do TCE, Garibaldi já fechou negócio: será do engenheiro Renato da Costa Dias, irmão de Álvaro.

Finalmente, na segunda-feira, dia 30/10, o JH mancheteava, para que todo o reino ouvisse: "Superados os obstáculos e negociadas as compensações com quem de direito, governador leva irmão ao cargo vitalício". A cândida notícia era trombeteada como na corte de Luiz XIV, o Rei Sol, de quem, com toda certeza, como diz o cronista social Nataniel Jebão, o VMRI do Reichstag do Bumba-Meu-Boi Mulato Garibaldi Alves herdou a mestria de negocista do trono. Ao povo, restará dançar. Cantando com Jorge Benjor: "O TCE é coisa nossa". E brindar a feliz coincidência de duas notícias, entoando um Deo Gratias tanto pelo reajuste de R$ 8 sobre o salário mínimo (R$ 151) como pela saúde e felicidade de Herr Papau, Grão-Duque da Bacia do Potengi e Refoles.

(*) Jornalista, <jesuinobr@hotmail.com>

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