A FLÓRIDA É AQUI
Em plena ressaca pelo fiasco da boca-de-urna nas presidenciais americanas, as Irmãs Karamazov (Folha de S.Paulo e Datafolha) resolveram mostrar que não vão ficar atrás. Entraram de cabeça na fúria pesquisótica.
Já no dia seguinte ao pleito nos EUA (8 de novembro) e dois anos antes da próxima temporada eleitoral brasileira, a turma da Barão de Limeira já esquentava os tambores para saber quem será o próximo governador de São Paulo. E como quem manda é a facção do cifrão, resolveu-se rentabilizar o investimento: uma mesma pesquisa com quatro assuntos diferentes, para fazer barulho por mais tempo.
No domingo (12/11) com chamada na primeira página, a Folha já garantia que [Eduardo] Suplicy e Maluf estão empatados para o governo do Estado.
Dia seguinte, segunda-feria, exatamente com os mesmos entrevistados (1.843, em 43 cidades) o jornal publica outras três sondagens.
Com chamada forte na primeira página e manchete na capa do caderno Dinheiro (13/11/00), as Karamazov garantem que 63% dos paulistas são contra a privatização do Banespa; 74% são a favor de um plebiscito para discutir a questão; e que aumentou para 81% a rejeição à participação de bancos estrangeiros no leilão – como pretende o lobby dos banqueiros chefiado por Delfim Netto, prestigiado colaborador do jornal.
Com chamada menor na primeira e destaque na página de política (A-4) e com base nos mesmos entrevistados, o jornal afiança que melhorou a avaliação dos governos de FHC e de Covas.
E como já não havia espaço na primeira página para outras chamadas sobre pesquisas, a capa do caderno de cidades ("Cotidiano", os outros não têm essa periodicidade) proclamava com base em outra pergunta para os mesmos entrevistados que "Maioria [dos entrevistados] acredita em boa gestão de Marta".
Libação pesquisótica recorde, merece registro no Guiness. O mea culpa envergonhado saiu na edição de quarta-feira, 15/11, no "Erramos" sob o "Painel dos Leitores" (pág. A-3). Mas os errinhos admitidos são irrisórios, se comparados com os outros sequer mencionados: houve engano ao computar um aumento da rejeição contra a participação de bancos estrangeiros no leilão do Banespa. Compararam duas pesquisas em universos diferentes. Também não levaram em conta as margens de erro na disputa Eduardo Suplicy–Paulo Maluf, o que altera completamente o empate previsto para acontecer dentro de dois anos. Também desculparam-se por um erro na data da realização de uma das pesquisas sobre a avaliação de Covas-FHC.
O curioso na avultada errata é que a culpa foi inteiramente despejada na cabeça dos jornalistas da Folha e não nos datafolhistas que fizeram os cálculos: para o jornal, são as matérias que estão erradas e, não, as premissas ou cálculos. Compreende-se: se a Folha registra tantos erros no seu instituto de pesquisas de opinião como é que vai falar mal do Ibope numa eventual CPI? Credibilidade do jornal e de jornalistas é de menor importância.
Nenhuma palavra foi dita sobre erros metodológicos ainda mais graves. A saber:
1. Como é que, com um mesmo universo de entrevistados, pode-se obter uma avaliação confiável sobre quatro questões tão diferentes?
2. Uma pergunta sobre a privatização do Banespa não implicaria selecionar os entrevistados entre os clientes do banco para saber se estão satisfeitos com os serviços oferecidos?
3. A previsão sobre a futura gestão da prefeita de São Paulo não deveria ser dirigida aos moradores de cidade? Tiveram este cuidado. E aqui mostrou-se um buraco ainda maior: foram ouvidos 1.092 moradores da cidade. Considerando que o universo total de entrevistados na pesquisa do dia 8/11 foi de 1.843 pessoas e subtraindo-se os 1092 moradores da capital, chega-se à conclusão que nos demais 42 municípios só foram ouvidas 751 pessoas! Média de 17,9 pessoas por cidade!!! Como é que se pode aferir a eleição para governador do Estado ou a privatização de um banco estadual com um universo tão microscópico?
A grande verdade é que, pelas contas da Folha, a Flórida é aqui.