"ACM, as trevas e o dilema Tostines", copyright Valor Econômico, 31/01/01
"Memórias das TrevasÂ’ não é um atestado de boa conduta, nem de idoneidade moral, ao senador Antonio Carlos Magalhães. O jornalista João Carlos Teixeira Gomes não poupa o presidente do Senado disso, ao contrário do que sustenta ACM sobre o livro. Ao longo das 765 páginas onde o senador baiano é, sem dúvida, o personagem do mal, Teixeira Gomes faz uma coleta quase que completa de todos os fatos, denúncias e suspeitas que pairam sobre a biografia do político que foi prefeito nomeado de Salvador, três vezes governador (duas nomeado pelo regime militar) e ministro.
O jornalista reproduz, entre outras, denúncia feita em 1984 pelo então deputado Élquisson Soares, do PMDB: o parlamentar comparou a declaração de bens publicada por ACM quando ele assumiu a prefeitura pelas mãos dos militares, em 1967, e a que apresentou quando foi nomeado governador pela segunda vez, em 1979. Élquisson concluiu que o patrimônio de ACM tinha crescido muito, e dizia que nenhuma intensa atividade empresarial justificava na época essa variação: ‘O atual governador jamais exerceu outra atividade que não a função públicaÂ’, lembrava.
Mas essas não são coisas novas. Os fatos e denúncias reproduzidos pelo jornalista são conhecidos pelo público – pelo menos estão na memória dos velhos baianos e dos de meia idade que acompanharam a luta da oposição a ACM no Estado. E também não é esse o mérito do livro. O que sobressai em ‘Memórias das TrevasÂ’ é o retrato de corpo inteiro do último coronel nordestino. O relato da perseguição de Antonio Carlos ao ‘Jornal da BahiaÂ’ e ao seu editor-chefe Teixeira Gomes – que toma boa parte das lembranças do jornalista – , mesmo sendo uma pequeníssima parte do exercício de um poder sem limites do político sobre os seus governados, acaba traçando um belíssimo perfil político e pessoal do senador. As histórias de perseguições, grandes e pequenas vinganças, traição a amigos, exigência de lealdade sem limites e intimidações são o Antonio Carlos, o rei da Bahia, pela pena de Teixeira Gomes. Antonio Carlos, o político nacional, com todos os seus arroubos e estrepolias, não é uma pálida imagem do chefe político estadual, que levou adversários a uma guerra sem fronteiras ou a uma rendição incondicional.
Nos últimos 35 anos, a política baiana chegou a uma forma minimalista: lá, existem apenas carlistas e anticarlistas. Conforme ACM foi ganhando poder, ficou mais tênue a fronteira entre o interesse do Estado e a vontade pessoal do chefe político. Hoje, na Bahia, as duas coisas se confundem: o poder público e o próprio Antonio Carlos. E, de certa forma, ele conseguiu, junto ao poder federal, fixar a imagem de que o seu Estado tem dono, que é ele, e não há nenhuma forma de divisão de poder possível em seu território, mesmo em se tratando de aliados na esfera federal.
Ao longo da sua luta contra o poder de ACM, a oposição baiana se debateu num ‘dilema TostinesÂ’: Antonio Carlos manda na Bahia porque tem poder nacional, ou tem poder nacional porque é o rei da Bahia? Todo o esforço dos anticarlistas, nesse período, foi o de minar o poder federal de Antonio Carlos, na certeza de que assim secaria a fonte de sua força política no Estado. Não conseguiram. Nos últimos anos, o velho político baiano de certa forma conseguiu reproduzir nacionalmente o seu estilo local. Como presidente do Senado, conseguiu manipular os humores da política nacional, subordinando-a às suas vontades e interesses. O curioso é que, mesmo teoricamente não sendo o rei do Brasil, como o é na Bahia, ACM é objeto de uma infinita tolerância. Desde a morte de seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães, que de alguma forma mediava os conflitos provocados pelo pai, já se ouviu várias vezes nos principais gabinetes do poder federal, em Brasília, algumas previsões de que o presidente Fernando Henrique Cardoso havia chegado no limite de sua paciência. A última vez foi no final do ano, depois que o senador acusou o governo federal de corrupção. Fernando Henrique, o ofendido, esqueceu a ofensa mais uma vez. Ou, segundo governistas, espera que ACM deixe a presidência do Senado. Será um dos poucos momentos em que o baiano não deterá, diretamente, nenhuma parcela de poder."
Repórteres sem Fronteiras
ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
MEMÓRIAS DAS TREVAS
"ACM, as trevas e o dilema Tostines", copyright Valor Econômico, 31/01/01
"Memórias das Trevas’ não é um atestado de boa conduta, nem de idoneidade moral, ao senador Antonio Carlos Magalhães. O jornalista João Carlos Teixeira Gomes não poupa o presidente do Senado disso, ao contrário do que sustenta ACM sobre o livro. Ao longo das 765 páginas onde o senador baiano é, sem dúvida, o personagem do mal, Teixeira Gomes faz uma coleta quase que completa de todos os fatos, denúncias e suspeitas que pairam sobre a biografia do político que foi prefeito nomeado de Salvador, três vezes governador (duas nomeado pelo regime militar) e ministro.
O jornalista reproduz, entre outras, denúncia feita em 1984 pelo então deputado Élquisson Soares, do PMDB: o parlamentar comparou a declaração de bens publicada por ACM quando ele assumiu a prefeitura pelas mãos dos militares, em 1967, e a que apresentou quando foi nomeado governador pela segunda vez, em 1979. Élquisson concluiu que o patrimônio de ACM tinha crescido muito, e dizia que nenhuma intensa atividade empresarial justificava na época essa variação: ‘O atual governador jamais exerceu outra atividade que não a função pública’, lembrava.
Mas essas não são coisas novas. Os fatos e denúncias reproduzidos pelo jornalista são conhecidos pelo público – pelo menos estão na memória dos velhos baianos e dos de meia idade que acompanharam a luta da oposição a ACM no Estado. E também não é esse o mérito do livro. O que sobressai em ‘Memórias das Trevas’ é o retrato de corpo inteiro do último coronel nordestino. O relato da perseguição de Antonio Carlos ao ‘Jornal da Bahia’ e ao seu editor-chefe Teixeira Gomes – que toma boa parte das lembranças do jornalista – , mesmo sendo uma pequeníssima parte do exercício de um poder sem limites do político sobre os seus governados, acaba traçando um belíssimo perfil político e pessoal do senador. As histórias de perseguições, grandes e pequenas vinganças, traição a amigos, exigência de lealdade sem limites e intimidações são o Antonio Carlos, o rei da Bahia, pela pena de Teixeira Gomes. Antonio Carlos, o político nacional, com todos os seus arroubos e estrepolias, não é uma pálida imagem do chefe político estadual, que levou adversários a uma guerra sem fronteiras ou a uma rendição incondicional.
Nos últimos 35 anos, a política baiana chegou a uma forma minimalista: lá, existem apenas carlistas e anticarlistas. Conforme ACM foi ganhando poder, ficou mais tênue a fronteira entre o interesse do Estado e a vontade pessoal do chefe político. Hoje, na Bahia, as duas coisas se confundem: o poder público e o próprio Antonio Carlos. E, de certa forma, ele conseguiu, junto ao poder federal, fixar a imagem de que o seu Estado tem dono, que é ele, e não há nenhuma forma de divisão de poder possível em seu território, mesmo em se tratando de aliados na esfera federal.
Ao longo da sua luta contra o poder de ACM, a oposição baiana se debateu num ‘dilema Tostines’: Antonio Carlos manda na Bahia porque tem poder nacional, ou tem poder nacional porque é o rei da Bahia? Todo o esforço dos anticarlistas, nesse período, foi o de minar o poder federal de Antonio Carlos, na certeza de que assim secaria a fonte de sua força política no Estado. Não conseguiram. Nos últimos anos, o velho político baiano de certa forma conseguiu reproduzir nacionalmente o seu estilo local. Como presidente do Senado, conseguiu manipular os humores da política nacional, subordinando-a às suas vontades e interesses. O curioso é que, mesmo teoricamente não sendo o rei do Brasil, como o é na Bahia, ACM é objeto de uma infinita tolerância. Desde a morte de seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães, que de alguma forma mediava os conflitos provocados pelo pai, já se ouviu várias vezes nos principais gabinetes do poder federal, em Brasília, algumas previsões de que o presidente Fernando Henrique Cardoso havia chegado no limite de sua paciência. A última vez foi no final do ano, depois que o senador acusou o governo federal de corrupção. Fernando Henrique, o ofendido, esqueceu a ofensa mais uma vez. Ou, segundo governistas, espera que ACM deixe a presidência do Senado. Será um dos poucos momentos em que o baiano não deterá, diretamente, nenhuma parcela de poder."
"Repórteres sem Fronteiras pede abertura de inquérito sobre a atribuição de verbas para propaganda pública no Estado da Bahia", copyright RSF, 29/01/01
"Através de carta endereçada a Antonio Imbassahy, prefeito de Salvador, Estado da Bahia, Repórteres sem Fronteiras (RSF) expressou preocupação com os critérios de atribuição da propaganda pública do município. Nossa organização pediu que haja ‘abertura de um inquérito administrativo’ e que ‘a distribuição da propaganda pública seja atribuída a uma comissão independente, que possa garantir sua transparência.’ Por outro lado, RSF inquieta-se com as perseguições contra Marconi de Souza, jornalista do diário A Tarde, publicado em Salvador. Este último revelou que dois veículos da mídia, cujos proprietários são próximos de Antônio Carlos Magalhães, ex-governador do Estado e atual Presidente do Senado, recebem a maior parte das verbas de propaganda pública local. ‘Tememos que essas perseguições constituam meio de intimidação para com jornalista, que já foi perseguido treze vezes por Antônio Carlos Magalhães, durante os últimos dois anos’, declarou Robert Ménard, secretário geral de RSF. Este último lembrou ainda que, segundo a Declaração de Princípios sobre a liberdade de expressão adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ‘a atribuição arbitrária e discriminatória de verbas de propaganda e créditos oficiais para fazer pressão, punir, recompensar ou privilegiar comunicadores sociais e mídia em função das informações que venham a transmitir constitui ato atentatório contra a liberdade de expressão e deverá ser expressamente proibida por lei.’
Segundo as informações obtidas por RSF, o 11 de janeiro de 2001, o canal TV Bahia e o jornal Correio de Bahia, dois meios de comunicação pertencentes à Rede Bahia, deram queixa por ‘difamação’ contra Marconi de Souza. Num artigo publicado em 25 de outubro de 2000, o jornalista de A Tarde havia transcrito depoimentos de vereadores do município de Salvador, segundo os quais 80 % das verbas de propaganda do município estariam sendo atribuídas à Rede Bahia, que pertence a membros da família do ex-governador do Estado, Antônio Carlos Magalhães. No artigo em causa, a oposição municipal fazia críticas ao orçamento para o ano de 2001, proposto pelo prefeito, que previa um envelope de 14 milhões de reais (cerca de 8,8 milhões de euros) para a propaganda. ‘Esse dinheiro vai diretamente para a Rede Bahia, que vai absorver 80 % do recursos’, havia explicado um dos vereadores. ‘É um escandalo direcionar esse dinheiro público para a empresa da família do senador Antônio Carlos Magalhães’, havia declarado um outro, que denunciava, assim, ‘um verdadeiro duto ligando os cofres públicos do Estado e da prefeitura á contabilidade da Rede Bahia.’ Finalmente, um terceiro havia criticado o município por não dar nenhuma informação sobre os títulos da imprensa escrita que se beneficiavam com a propaganda pública.
Os Repórteres sem Fronteiras defendem os jornalistas presos e a liberdade de imprensa no mundo todo, isto é, o direito de informar e de ser informado, de acordo com o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os Repórteres sem Fronteiras contam com nove seções nacionais (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Suécia e Suíça), representações em Abidjan, Bangkok, Tóquio e Washington e cerca de cem correspondentes no mundo inteiro."
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