QUALIDADE NA TV
RELIGIÃO NA TV
Vera Silva (*)
Precisamos voltar ao tema das religiões na TV.
Eu não tenho TV a cabo e a grande maioria dos brasileiros também não. Assim, vemos TV aberta. E o que vemos na TV aberta? Um domínio assustador de programas religiosos, em que multidões são filmadas chorando, dançando, enquanto um cantor gospel canta e dança ou um pregador lê e interpreta a Bíblia em compridos sermões. Nada diferente dos shows-da-vida.
Vemos também pessoas contando como conseguiram se equilibrar financeiramente ou salvar seus casamentos na igreja. Essas pessoas contam seus dramas íntimos, mostram resultados de exames etc. Uma espécie de programa-do-ratinho-linha-direta-religioso. É o predomínio da chamada TV-verdade até nas religiões.
O que impressiona é que estes programas não têm patrocinador, em geral. São horários comprados pelas igrejas ou pelos pastores que as conduzem, mantidos, portanto, com o dízimo dos crentes. Há horários em que quase todos os canais VHF e UHF estão apresentando um programa deste tipo. A Igreja Católica e a Igreja Universal têm seus próprios canais, não obstante se apresentarem também em outros canais, até mesmo na TV pública.
Não estranho os programas religiosos. As religiões são parte de nossa busca espiritual, mas a forma que estes programas adotam é preocupante. Porque se apresentam como alternativa saudável (?) para o excesso de violência, sexo e música de má qualidade na TV, mas usam a mesma forma massificadora e alienante do que dizem combater.
As pessoas dão testemunho público de suas misérias e de sua salvação. Dizem que agora têm dinheiro, a paz voltou ao lar, os filhos deixaram as drogas, tudo em razão de estarem indo à igreja e dando o dízimo. O agente da mudança é colocado no estar na igreja, seguindo a orientação do pastor da igreja ou padre, tradutores dos mandamentos de Deus. A diferença plástica entre um programa-do-ratinho e estes é que pastores e padres sempre mostram os fiéis no depois, o antes é simulado como no linha-direta. Assim, o sofrimento é considerado extinto, sem mais nenhuma relação com aquela pessoa. Uma simbólica nova vida, através do acreditar no que o pastor falou. Não me admira que um número enorme destes religiosos esteja atuando em cargos eletivos. Simbolicamente, eles mostraram que têm poder para transformar a realidade.
Chuva de salvador
As músicas são bem dançantes, cantadas por pessoas risonhas e de boa voz. O tratamento acústico é muito bom. Os fiéis dançam, cantam, choram controlados pela música que ouvem e pelas palavras de ordem do cantor ou do pregador. Apenas as letras das músicas e a muita roupa que usam diferenciam o profano do sagrado. Mas sempre a música, usada para conduzir à emoção por movimentos e ritmos repetitivos. Nenhuma diferença, portanto. Até a venda de CDs é do mesmo jeito.
Outro aspecto preocupante são os chamados empresários que estavam falindo e com a igreja e o dízimo estão bem de vida novamente. Os pastores abençoam os contracheques, os contratos, as empresas e o dinheiro flui. Mágica, não? O Deus que eles apresentam faz chover dinheiro. Imaginem o efeito disto num povo sem dinheiro numa economia cheia de problemas! É um marketing danado de bom. Ninguém se importa de contestar este tipo de testemunho, em que o antes não aparece, igualzinho àquelas propagandas em que os atores dizem que são médicos para vender remédios ou dizem que usam leite-de-aveia para vender cosméticos.
É claro que não há tiros, sangue, morte, sexo e similares, mas a figura do salvador humano, que nos tira a ação pessoal, a reflexão, a vivência autônoma está lá do mesmo jeito que nos programas não-religiosos. Aquele salvador humano que ia nos separar das raças impuras, como Hitler, ou aquele outro que ia expulsar os marajás, como Collor, ou aquele outro que vai denunciar a falta de ética do governo, como o ACM, ou aquele outro que vai acabar com os infiéis, como o Saddam Hussein, ou aquele outro que vai garantir a democracia no mundo bombardeando os infiéis, como Clinton, Bush etc. etc., os exemplos são muitos.
É preciso discutir não somente os programas, mas também os aspectos da manipulação psíquica a que são submetidos os telespectadores, principalmente, as crianças e os adolescentes.
(*) Psicóloga
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